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domingo, 26 de abril de 2015


Alguns momentos já vividos que voltam a incomodar. Pra virar a página, deve-se travar compromissos. Compromissos consigo mesma, tentar entender porque repetidas situações retornam, desgastam, até que ponto você continua nesse círculo vicioso, das impossibilidades.
Tentar entender não é fácil, desconstruir o senso-comum também, por quais motivos você ainda procura ilusões?
Isso te alimenta de que forma?
As mágoas e tristezas vem e vão, como disse o guru.
Tem que saber domá-las.
Desgastar o corpo e a mente pra quê?
Prefiro ficar em casa, quieta, no silêncio, na minha inconstância.
Acordar cedo, repleta de incertezas, mas com vontade de sair da cama.
Passar uma sexta-feira metida nos livros, escrevendo artigos, transando a mente.
E num domingo de manhã se desafiar: a autodisciplina dos japoneses ( Ruth Benedict que o diga) pode ser lançada a mim?
Então inverto as possibilidades, sou travessa, não me limito naquilo que já foi.
Dou uma passo de cada vez, cambaleando um pouco, com firmeza de vez quando.
Eu sei lá pra onde isso vai dar, que estrada me enveredo, me encaixo, vou.
Me observando, sinto que estou em mutação constante.
Deve ser por aí que se aprende a viver.
Amadureço, meu corpo não é o mesmo, nem meu rosto.
Vejo fotos antigas, sim, como era bom ter 20 anos.
Eu era uma poeta tão indecente, e continuo a incomodar!
Travo outras lutas, organizo os meus anseios.
Tem coisa que não muda e nunca mudará.
Apesar dos meus cabelos brancos...





domingo, 7 de dezembro de 2014

Reticências




E os caramujos vieram me dizer
que poesia não se encontra
em apenas situações desesperadoras.

O lado visceral das coisas
vai além do olhar ocidental.
Como já dizia Quijano
É a decolonização do poder.

Se sinta culpada,
pois você é mulher e deve
arrancar os olhos pra não ver o mundo.

Até que ponto essa culpa me oprime ?
Se sou culpada,
é o veredito do banco dos réus,
e o juiz da moral e dos bons costumes
me penaliza.

A sentença clara,
sem direito a embargos de declaração,
me faz ficar confinada nos meus anseios.

Mas talvez possa atravessar todos os julgamentos.
e me desdobrar em outras expectativas,
pra sarar de vez.

Fico em casa,
porque aqui é permitido até as impossibilidades.
De vez em quando saio
pra tomar banho de chuva.

E talvez seja esse meu tempo,
do cálculo da pena
que devo cumprir
comigo mesma.

Sem devaneios,
ou abstrações,
Sigo.

Prefiro reticências a despedidas.


terça-feira, 26 de agosto de 2014

Enquanto escuto um pássaro cantar,
por aqui há de todas as espécies,
vejo araras e tucanos frequentemente.
Nessa cidade morena,
tão nova, que tem tanto a aprender.
Com seus ruralistas que pregam genocídio,
e acham graça em barbies,
me deixo levar pelo paladar do vinho.
Que me remete a Baco,
e na medida Evoé,
e lá vem o Maraca,
com seu estilo envolvente,
nas ruas do Cascudo,
a chamar toda gente !
Me sinto feliz,
por continuar aqui.
Esse oeste que rompe fronteiras,
e  que não me deixa temer..
Nessa terra sem lei,
planto a esperança,
de ser apenas o que sou.




terça-feira, 29 de julho de 2014

Blowing in the wind



Em tempos como esse, em que o filósofo Bakunin do século XIX é considerado  suspeito no inquérito policial que investiga os manifestantes presos recentemente no Rio de Janeiro, sendo acusados pelo crime de formação de quadrilha.

Tempos que são expedidos mandados de busca e apreensão, onde policiais apreendem nas casas dos ativistas objetos do nosso dia a dia, como: mouse, grampeador, agenda, revista, cd´s , camiseta de caveira, bandana da banda grunge dos anos 90 Nirvana, lanterna, Jornal A Nova democracia, caixa de papelão, fita crepe.

Tempos sombrios, que as principais testemunhas do IP supramencionado são ex-namorados (as) dos suspeitos, parecendo mesmo que a única quadrilha que faz sentido nessa história toda é a do poema de Drummond:

João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história.

Tempos como esse que o seu direito de manifestação e liberdade de expressão, inseridos no Título II da Constituição Federal de 1988 “ Dos Direitos e Garantias Fundamentais”, considerados cláusulas pétreas, ou seja, não podem ser suprimidos da Constituição Cidadã, não valem nada, tempos que acreditamos erroneamente serem democráticos.

A falsa ideia de que votar vai fazer alguma diferença. Tempos como esse que articular reuniões em casa pode dar cadeia, vide o caso da advogada Eloisa Samy Santiago.

Tempos como esse que advogados ativistas levam porrada da polícia enquanto tentam defender as premissas da Constituição durante os atos públicos, que pessoas como o pedreiro Amarildo desparecem e são executados pela força repressora do Estado.

Anos de chumbo e repressão, Fábio Hideki que o diga, preso há mais de um mês, levou socos e chutes da PM fascista de São Paulo.

As denúncias feitas ao Ministério Público e a Corregedoria da Polícia sobre o abuso de poder dos policiais militares durante as manifestações ocorridas nas jornadas de junho de 2013 até agora não levaram a nenhuma punição dos mesmos, se foram punidos, a imprensa não noticiou.

Na reportagem de Tânia Caliari, “ Polícia: para quê polícia?”, veiculada na revista Retrato do Brasil, o Coronel Ibis Silva Pereira, subdiretor de Ensino da Polícia Militar do Rio de Janeiro, conceitua o que vem a ser o Estado e posteriormente a polícia, naquele sentido clássico de que “é a instituição que coloca em prática o monopólio legítimo da violência do Estado”:

“O Estado é um órgão que se estrutura a partir da ideia do monopólio da violência. É por isso que ele arranca nosso dinheiro pelos impostos, reboca nosso carro quando paramos no lugar errado, coloca a gente na cadeia, manda a polícia bater na gente quando a gente começa a quebrar o patrimônio dos outros”. “Esse é o Estado”, resume o policial, formado em Direito, com mestrado em História e pós-graduação em Filosofia, que dirigiu por dois anos a Academia de Polícia Militar Dom João VI, de formação de oficiais da PM fluminense.

De acordo com a pesquisa veiculada em abril de 2014 pelo GEVAC (Grupo de Estudos sobre Violência e Administração de Conflitos) da UFSCar ( Universidade Federal de São Carlos):

“ Entre os anos de 2009 e 2011, 939 casos de ações policiais foram analisados. O resultado aponta que 61% das vítimas de morte por policiais eram negras. No âmbito infanto-juvenil, os dados são mais alarmantes: entre 15 e 19 anos, duas a cada três pessoas mortas pela PM são negras”.

Para a União Popular Anarquista (UNIPA), a autodefesa é a única alternativa para que seja rompida essa estrutura do Estado- repressor (Comunicado nº 07 # Abril de 2005):
 
"A única alternativa para os trabalhadores pobres, os negros e pardos, que são as principais vítimas da violência policial, é a organização para autodefesa. O proletariado precisa defender-se da violência, através da formação de grupos de autodefesa que possam opor uma forte resistência à violência policial nos seus locais de moradia (…) Os grupos de autodefesa contra a violência policial e também às quadrilhas de criminosos, serão compostos por trabalhadores e trabalhadoras, organizados localmente e controlados democraticamente. Estes grupos devem assumir a função de defender a vida dos trabalhadores e os seus direitos civis (liberdade de organização, expressão), que são tolhidos pela violência policial.
A punição dos culpados pelos massacres e violências contra o povo, só será realizada pela pressão popular, das famílias das vítimas e de todos os trabalhadores. Mas para que esta organização seja possível, é preciso que os lideres comunitários tenham uma real garantia de vida”.


Por falar em autodefesa, não temos como deixar de citar os Panteras Negras, símbolo da resistência norte-americana em defesa dos direitos civis dos negros, formado em 1966, eram conhecidos pelas suas ações contra a brutalidade policial. Em outubro desse mesmo ano lançaram a Plataforma e Programa, que no item 7 anuncia:

7. Queremos um fim imediato à brutalidade pessoal e ao assassinato do povo negro.
Acreditamos que podemos encerrar a brutalidade policial em nossa comunidade negra organizando grupos negros de autodefesa, dedicados a defender nossa comunidade da opressão e brutalidade policial. A segunda emenda à constituição dos Estados Unidos dá o direito de portar armas. Portanto, acreditamos que todas as pessoas negras devam se armar para a autodefesa.
 
Nessa perspectiva, rebelar-se é justo, já que ,conforme nos ensina Walter Benjamim, “A tradição dos oprimidos nos ensina que o estado de exceção em que vivemos é, na verdade, regra geral”.

O Estado de exceção é aqui e é agora, pois apesar da promulgação da Constituição Federal, e de nos ser garantido esse direito de expressão sem amarras, o Estado continua se utilizando do poder de polícia para nos punir. O Estado é ao mesmo tempo paternalista e punitivo. Aprendemos com a história, com os Panteras Negras, Bobby Seale, um dos fundadores dos Black Panthers, disse:

"Não combatemos racismo com racismo. Combatemos racismo com solidariedade. Não combatemos o capitalismo explorador com capitalismo negro. Combatemos o capitalismo com o socialismo básico. E não combatemos o imperialismo com mais imperialismo. Combatemos o imperialismo com o internacionalismo proletário”.


Fontes:






http://ultimainstancia.uol.com.br/conteudo/noticias/70082/estudo+sobre+violencia+policial+revela+racismo+institucional+na+pm+de+sp+assista+ao+video.shtml







sexta-feira, 4 de julho de 2014

Romance ideal

E não foi amor a primeira vista. Porque a gente já se conhecia há anos. Eu acho que até o paquerei um pouco no ínicio, quando o conheci, mas isso nem conta, porque naquela época paquerava todo mundo. E não existia uma atração com feedback, ele não me olhava com interesse.
Depois sumiu do mapa, eu também me apaixonei perdidamente por outra pessoa.
E fomos vivendo, um pra cada lado, raramente o encontrava e se acontecia era de relance.
E aí teve um dia que nos esbarramos num bar.
E conversamos por horas.
Parecia até que nem fazia tanto tempo que eu não o encontrava.
Parecia que éramos melhores amigos.
E essas coisas da vida e do coração que não tem explicação.
Tínhamos o mesmo anseio por liberdade.
Mudar o mundo era o que nos movia.
Fazer barrificadas, fechar as ruas, abrir as vias.
A política do dia-a-dia, ações diretas, um outro mundo possível.
Ó abre-alas que eu quero passar !
Advogados libertários, eis a nossa profissão.
E como não se apaixonar nesse mar de possibilidades ?
Eu já não tinha como disfarçar.
No começo me senti muito culpada.
Não entendia meus sentimentos.
Mas uma coisa era certa: não queria cometer os mesmos erros.
Pensava que depois que me separasse, ele iria me encarar, me abraçar e pronto.
Logicamente não foi nada disso que aconteceu.
Nessa noite tão esperada, ele ironicamente disse: A vida é dura !
Aprendi na marra que o romance ideal só existe em filmes.
Woody Allen que o diga !
Pensei então: enfim, só !
A maturidade dos 30 nos faz sofrer, só que, pelo menos pra mim, é mais fácil levantar a cabeça e seguir em frente. Olhar para trás é inevitável, contudo a estrada adiante é mais interessante.
Fui.....durou  duas semanas?
E ele veio até a mim.
Sem medo, sem receio, do jeito que eu nem sabia mais que poderia ser.
Porque já estava cansada de ter que forçar a barra.
Nos outros relacionamentos, eu sempre tava ali, esperando, meio que cobrando inconscientemente.
Agora estamos aí, juntos, caminhando.
A luta é inevitável.
E debatemos política, e também fazemos amor, e entre um cigarro e outro, dormimos.
Vamos viajar, e já acho que o Woody Allen acerta em cheio nos seus romances improváveis.
Tenho uma saudade louca daquilo que nem aconteceu.




quinta-feira, 26 de junho de 2014

Colonialidade do poder e Eurocentrismo- conceitos de Aníbal Qujano - o que a aldeia urbana Água Bonita e a comunidade de Furnas de Boa Sorte tem a ver com isso ???


casa com desenhos indígenas na aldeia urbana Água Bonita

artesanato terena

Aldeia urbana Água Bonita

escola da aldeia urbana Água Bonita

fachada com desenhos indígenas

comunidade de Furnas de Boa Sorte representando a violência sofrida pelos quilombos

Encontro do TPT em Furnas de Boa Sorte

Morador de Furnas de Boa Sorte

Liderança indígena Guarani-Kaiowá no encontro do TPT em Furnas de Boa Sorte

Morro São Sebastião em Furna de Boa Sorte


Entre os dias 10 e 15 de junho do presente ano, tive o privilégio de conhecer a aldeia urbana Água Bonita, localizada em Campo Grande, e a comunidade  remanescente de quilombolas Furnas de Boa Sorte, que fica entre as cidades de Rochedo e Corguinho, no interior do estado de Mato Grosso do Sul.
Primeiramente, irei descrever o contexto social e histórico de cada comunidade, para posteriormente fazer um paralelo com os conceitos de Aníbal Quijano em relação à colonialidade do poder e eurocentrismo, além da questão da interculturalidade crítica abordada pela professora Catherine Walsh.

A aldeia Água Bonita existe desde 2001, é a segunda aldeia urbana de Campo Grande, foi instituída no Governo do Zeca do PT, todavia, a grande liderança por trás da implantação da aldeia é a indígena Marta Guarani.

Localizada na periferia da cidade, perto do bairro Tarsila do Amaral, algumas residências são de alvenaria, com pinturas indígenas, outras são barracos, é constituída por 60 famílias, de etnias diversas, Terena, Guarani-Kaiowá e Kadiwéu, sendo a maioria a etnia Terena, como a aldeia fica afastada do centro da cidade é bastante arborizada.

Observa-se que no centro da aldeia existe uma construção em forma de círculo, que quando foi inaugurada, não tinha paredes, só que com o decorrer do tempo, devido a questões de segurança, foram levantadas as paredes que a cercam, hoje é o local de reunião da comunidade,  funciona também uma escola, onde as crianças tem aula toda quarta-feira, no período matutino, aprendem a língua terena.

Há também uma igreja católica, uma das indígenas entrevistadas me disse que a religião predominante é a católica, mas que atualmente muitos estão se tornando evangélicos. Dona Maria, esposa do cacique Nito, da etnia Guarani-Kaiowá, me relatou que os evangélicos estão proibindo os Guaranis-Kaiowá de fazer a sua reza, impondo a religião evangélica, não respeitando a cultura dos indígenas.

As mulheres indígenas para ajudarem na renda familiar, trabalham de diaristas, feirantes, fazem artesanato e vendem para a Casa do Artesão, os homens trabalham como pedreiros, carpinteiros e nos frigoríficos da cidade.

Um dos problemas enfrentados por essa comunidade segundo seus próprios habitantes, é que a área não é regularizada, apesar de ser uma aldeia urbana, não é reconhecida pelo Governo Federal como sendo um território indígena, assim, ocorre à venda de terrenos para não indígenas sem controle do Poder Público.

Já a comunidade remanescente dos quilombos,  conhecida como Furnas de Boa Sorte, que tem aproximadamente 1.413 hectares, localizada entre Rochedo e Corguinho, é composta por 45 famílias, tendo o registro na Fundação Palmares, do Ministério da Cultura, em 1988. Seus fundadores, José Matias Ribeiro, Bonifácio Lino Maria e João Bonifácio eram de Minas Gerais, habitaram aquela região no final do século XIX (Disponível em: http://pt.wikiversity.org/wiki/Wikinativa/Furnas_da_Boa_Sorte).

Os quilombos foram expropriados de suas terras por fazendeiros e grileiros, e somente em 2007, o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) reconhece o território como  quilombola e autoriza a desapropriação das áreas incidentes à  propriedade (Disponível em:  http://portal.mda.gov.br/portal/noticias/item?item_id=3574801 ).

Apesar de ter sido reconhecida como terra quilombola, o processo de desapropriação ainda está em andamento, fui conhecer essa comunidade devido o Encontro do Tribunal Popular da Terra, realizado nos dias 14 e 15 de junho, que reuniu os descendentes de quilombolas, indígenas e campesinos.

A questão da terra foi o tema principal do encontro, participei da oficina “A mulher na luta pela terra e na terra: classe, raça e gênero”, realizada pelo IBISS (Instituto Brasileiro de Inovações pró- Sociedade Saudável), foram relatados vários problemas enfrentados pela comunidade, como a falta de transporte, na escola não há o ensino fundamental completo, também não existe a coleta do lixo, tampouco um posto de saúde que fique próximo da comunidade.

Pois bem, depois de apresentar o contexto social e histórico das duas comunidades, é possível fazer um paralelo com os conceitos de Aníbal Quijano, no seu artigo “Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina”, inserido no livro, “A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas”, publicado em 2005 .

Embora esses dois lugares tenham a sua própria história, e sejam de diferentes contextos, ambos são atingidos pela colonialidade do poder, que segundo Quijano (Op. cit, 2005), está vinculada a ideia de raça, como a Europa se utilizou desta a fim de obter um controle social, na medida que o capitalismo ia se estruturando e se expandindo.

Observar as duas comunidades, uma formada por indígenas de várias etnias, Terena, Guarani-Kaiowá e Kadiwéu, e outra pelos remanescentes de quilombos, é verificar na prática que os conceitos de Quijano (2005, p. 107) continuam latentes.

A formação de relações sociais fundadas nessa idéia, produziu na América identidades sociais historicamente novas: índios, negros e mestiços, e redefiniu outras (...) E na medida em que as relações sociais que se estavam configurando eram relações de dominação, tais identidades foram associadas às hierarquias, lugares e papéis sociais correspondentes, com constitutivas delas, e, conseqüentemente, ao padrão de dominação que se impunha (…)
A posterior constituição da Europa como nova id-entidade depois da América e a expansão do colonialismo europeu ao resto do mundo conduziram à elaboração da perspectiva eurocêntrica do conhecimento e com ela à elaboração teórica da idéia de raça como naturalização dessas relações coloniais de dominação entre europeus e não-europeus. Historicamente, isso significou uma nova maneira de legitimar as já antigas idéias e práticas de relações de superioridade/inferioridade entre dominantes e dominados.

Dessa forma, contextualizando historicamente esses dois povos, que foram dominados pelos europeus “brancos”, obrigados a trabalhar sem serem recompensados, que tiveram sua cultura inferiorizada, que quase foram exterminados, tendo em vista a violência e opressão que foram submetidos, tudo em nome da concentração do capital na Europa, verifica-se, assim, que esses povos continuam sofrendo as consequências desse capitalismo desenfreado.

 Para o autor (Quijano, 2005, p. 115), o eurocentrismo vem ser: “a elaboração intelectual do processo de modernidade produziu uma perspectiva de conhecimento e um modo de produzir conhecimento que demonstram o caráter do padrão mundial do poder: colonial/moderno, capitalista e eurocentrado”.

Então, o eurocentrismo, se sobrepõe as demais culturas, estas que foram dominadas, há um controle que visa impor os papéis sociais, tudo que é considerado “moderno”, entrelaçado com a ideia de progresso, pertence ao velho mundo, a Europa ocidental.

Daí, negros e índios, nessa visão eurocêntrica, com suas “raças inferiores, capazes somente de produzir culturas inferiores” (Quijano, 2005, p. 116), já tem o seu papel pré-estabelecido, de apenas servir a Europa, de serem eternamente colonizados, explorados, mão de obra barata.

Ou se não são vistos nessa perspectiva, quando lutam em defesa dos seus direitos, pela demarcação de suas terras, que afinal de contas, estão assegurados pela Constituição Federal de 1988, e não tem como objetivo pertencer a esse mundo do agronegócio, dos grandes latifúndios de soja, cana-de-açúcar, eucalipto, gado, etc, são tratados pela sociedade como “vagabundos, preguiçosos, baderneiros” (Disponível em: http://itapebiacontece.com/noticias/3135,itapebi-homem-e-morto-com-um-tiro-no-pescoco-na-area-invadida-por-indios.html ), pois optaram seguir suas próprias premissas, dando as costas ao sistema capitalista.

Os dominadores de ontem e hoje sempre estiveram muito mais próximos da burguesia europeia, são dependentes desta, os grandes latifundiários exportam a sua produção, assim, o mundo capitalista gira, enquanto que índios e negros, sobrevivem confinados em reservas e favelas.

Conforme explicita Qujano (2005, p. 123):

Por outro lado, nas outras sociedades ibero-americanas, a pequena minoria branca no controle dos Estados independentes e das sociedades coloniais não poderia ter tido nem sentido nenhum interesse social comum com negros, índios e mestiços. Ao contrário, seus interesses sociais eram explicitamente antagônicos com relação dos servos índios e escravos negros, dado que seus privilégios compunham-se precisamente do domínio/exploração dessas gentes. De modo que não havia nenhum interesse nacional comum a todos eles. Por isso, do ponto de vista dos dominadores, seus interesses sociais estiveram muito mais próximos dos interesses de seus pares europeus, e por isso estiveram sempre inclinados a seguir os interesses da burguesia europeia. Eram, pois, dependentes.

A colonialidade do poder, atingiu principalmente a América Latina, pois, se utilizou da raça como instrumento de dominação, portanto, essa estrutura eurocêntrica, teve ainda total recepcionalidade, uma vez que foi adotada pelos grupos dominantes, com o intuito do Estado-nação se consolidar nas veredas do sistema capitalista.

Apesar de serem reconhecidos pela Constituição Federal de 1988, a organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, dos índios, bem como os direitos originários dos índios, em relação as suas terras,  conforme dispõem os arts. 231 e 232,  também aos remanescentes das comunidades dos quilombos foi reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos, de acordo com o  art. 68, dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias, a Carta Magna, na prática não é cumprida.

Ainda, foi publicado em 2003, o Decreto nº 4.887, concernente à afirmação dos direitos territoriais dos grupos étnicos minoritários, e recentemente a Presidenta Dilma, publicou uma lei que visa reservar uma porcentagem de 20% das vagas do serviço público do Poder Executivo para os negros, além das cotas para as universidades.

Poderia se dizer então, que esses avanços de reconhecer os aspectos culturais dos indígenas, e dos remanescentes de quilombolas, que valoriza a diversidade étnica e regional, acontece numa perspectiva de interculturalidade.

No ensinamento de Catherine Walsh, no seu artigo “Interculturalidade crítica e educação intercultural”, inserido no livro “Construindo a Interculturalidade Crítica”, publicado em 2010, a interculturalidade se apresenta em três perspectivas:  a primeira é relacional “faz referência da forma mais básica e geral ao contato e intercâmbio entre culturas”,  a segunda é a funcional , “não toca as causas da assimetria e desigualdades sociais e culturais, tampouco 'questiona as regras do jogo', por isso é 'perfeitamente compatível com a lógica do modelo neoliberal existente' ”, a terceira é a interculturalidade crítica, “ (…) não partimos do problema da diversidade ou diferença em si, mas do problema estrutural-colonial- racial. Isto é, de um reconhecimento de que a diferença se constrói dentro de uma estrutura e matriz colonial do poder racializado e hierarquizado, com os brancos e 'branqueados' em cima, e os povos indígenas e afrodescendentes nos anadares inferiores. Aponta e requer a transformação das estruturas, instituições e relações sociais, e a construção de condições de estar, ser, pensar, conhecer, aprender , sentir e viver distintas”.

A partir dos anos 80, surgiu na América Latina a Educação Intercultural Bilíngue (EIB), depois nomeada de Educação Intercultural Bilíngue (EIB), só que esse termo intercultural um sentido duplo (Walsh, 2010):

(...)  um sentido político-reivindicativo, por estar concebido a partir da luta indígena e com a finalidade  de enfrentar a exclusão e impulsionar uma educação linguisticamente própria e culturalmente apropriada. Ao mesmo tempo, todavia, o intercultural foi assumindo um sentido socioestatal de burocratização.

Portanto, esse direito étnico e coletivo, no Brasil, não foi ainda regularizado através da edição de lei, entretanto, na escola que se localiza  na construção circular na aldeia Água Bonita, é ensinado para as crianças indígenas, a língua terena.

Dessa forma, existe essa interculturalidade nas comunidades visitadas, que pode ser configurada na primeira perspectiva, a interculturalidade relacional, apesar da boa vontade dos próprios indígenas e dos remanescentes dos quilombos em disseminar a sua língua e cultura para as futuras gerações, não há interesse do Poder Público em concretizar a interculturalidade numa perspectiva crítica.

 Tendo em vista que esse “ato pedagógico-político que procura intervir na refundação da sociedade” (Freire, 2004), só irá empoderar esses povos étnicos, cita Catherine Walsh (2010), as palavras do revolucionário Zapata que dizia ser necessário descravizar as mentes, faz referência também a  Malcom X, que afirmava que deveríamos  desaprender o desaprendido para voltar a aprender.

Visualizo bem essa questão do eurocentrismo, e da colonialiadde do poder, quando escuto por aí que o Jornalista Diogo Mainardi, apresentador do programa de televisão Manhattan Connection, exibido pelo canal da TV paga GNT,  resolveu morar em Veneza, porque não queria mais saber dessa “bugrada”, e também é ressaltado o  sobrenome do jornalista, “com esse sobrenome, ele pode morar em qualquer lugar da Europa”, ou ainda, quando se faz críticas as cotas, “porque as pessoas tem que conseguir vagas na universidade ou passar em concurso, pelo mérito”.

É assim que se sentem os dominadores, aqueles que tem dinheiro de sobra nesse país, a Europa é o melhor lugar do mundo para se viver, o Brasil não passa de uma república de bugres.

Finalizo com Quijano (2005, p. 126), que brilhantemente ensina: “(...) é tempo de aprendermos a nos libertar do espelho eurocêntrico onde nossa imagem é sempre, necessariamente distorcida. É tempo, enfim, de deixar de ser o que não somos”.

Acredito que esse Encontro do Tribunal Popular da Terra seja um dos primeiros passos para romper com essa dominação eurocêntrica, para descolonizar nossas mentes, a união dos povos da terra, que foram excluídos da construção do Estado-Nação pelo sistema capitalista, implica numa redistribuição radical do poder (Quijano, 2005, p.126), e talvez esse seja um dos únicos caminhos para se alcançar a sociedade igualitária tão sonhada por todos.



Bibliografia:

LANDER, Edgardo (Org). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas. Colección Sur Sur, CLACSO, Ciudad Autónoma de Buenos Aires, Argentina. setembro 2005. Disponível em: < http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ >, acessado no dia 13 de junho de 2014.

QUIJANO, Aníbal. Colonialidade do Poder, eurocentrismo e América Latina. In: LANDER, Edgardo (Org).  A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas. Colección Sur Sur, CLACSO, Ciudad Autónoma de Buenos Aires, Argentina. Setembro 2005. p. 107-126.

WALSH, Catherine. Interculturalidade crítica e educação intercultural. In: VIAÑA, Jorge; TAPIA, Luis; WALSH, Catherine. Construyendo Interculturalidad Crítica. La Paz – Bolivia. Instituto Internacional de Integración del Convenio Andrés Bello. III CAB, 2010.

FREIRE, Paulo. Pedagogy of Indignation. Boulder, Colorado: Paradigm.

INCRA.  “Incra reconhece Furnas de Boa Sorte (MS) como área quilombola”.Disponível em: <http://portal.mda.gov.br/portal/noticias/item?item_id=3574801 >, acessado no dia 16 de junho de 2014.


ITAPEBI ACONTECE. “Homem é morto com um tiro no pescoço na área invadida por índios”.  Disponível em: < http://itapebiacontece.com/noticias/3135,itapebi-homem-e-morto-com-um-tiro-no-pescoco-na-area-invadida-por-indios.html >, acessado no dia 16 de junho de 2014.

sábado, 10 de maio de 2014

Apyka´i Resiste !!!









Dona Damiana e seus familiares ocupam mais ou menos 3 hectares de terra, que fica quase na beira da estrada, no entorno de Dourados/MS, os barracos estão erguidos entre a fazenda Serrana e a área de preservação ambiental, ao redor de  muita cana- de- açúcar.

Há mais de 15 anos, a pequena Damiana vai e volta do tekoha Apyka´i. Já foi despejada dali 6 vezes, os ilusórios “proprietários” de terra se utilizam de meios legais e ilegais para coagir a forte liderança Guarani Kaiowá , ajuízam ações de reintegração de posse, contratam seguranças privados, atropelam os indígenas que insistem em permanecer na sua terra sagrada.

Quem nunca foi a Dourados não faz ideia dessa situação, a cidade é marcada pelo agronegócio, Mato Grosso do Sul é reconhecido como o estado da soja, das cabeças de boi e atualmente da produção de cana-de-açucar, matéria prima dos biocombustíveis.

Os vários povos indígenas que conseguiram sobreviver a esse atropelamento capitalista, nesta região, vivem “confinados” em reservas, sem perspectiva de sobrevivência, são obrigados a vender a sua força de trabalho, não tendo espaço para plantar.

Muitos através desse contato com os outros trabalhadores da usina, com os habitantes da cidade, começam a beber, às vezes são forçados a seguir esse caminho, tendo em vista que essa nova relação social faz parte da sua sobrevivência, não há possibilidades de viver da terra.

Alguns insistem como Dona Damiana em reverter esse quadro, a terra para os índios não tem essa concepção de enriquecimento, e há tanto a aprender com eles, a terra tem vida, gera alimentos, não é feita para encher o bolso de dinheiro.

O que se passa com Apyka´i é vergonhoso. Ali não há condições para se obter o mínimo do que se refere ao princípio da dignidade da pessoa humana, não estou falando só das condições materiais, mas sim que a qualquer momento há a tensão de ser exterminado, os pistoleiros contratados pelos fazendeiros chegam à luz do dia atirando nos barracos.

A fazenda onde está localizada essa comunidade dos Guaranis Kaiowá foi arrendada para funcionar a Usina São Fernando, usina esta financiada pelo Governo Federal durante o mandato de Lula.

Há um grande interesse político e econômico para retirar Dona Damiana dali, a uma porque o lugar onde ela está faz parte da iniciativa do Governo de tornar o MS em um grande canavial, e também porque no entorno de Dourados estão sendo construídas várias residências, condomínios, há uma forte especulação imobiliária.

Além disso, despejar Dona Damiana, significa que todas as outras áreas que os indígenas estão ocupando, mais ou menos 19, nessa mesma região, vão sofrer ações de reintegração de posse, assim, o despejo em Apyka´i vai refletir no despejo das outras comunidades.

Os GT´S (Grupos de Trabalho) que realiza a identificação prévia dos limites das áreas ocupadas, primeira fase para se consolidar a demarcação das terras indígenas,estão suspensos desde 2009, esse GT da área que estamos nos referindo tem a denominação de “Dourados-Brilhantepegua”.

É sabido que alguns relatórios antropológicos já estão finalizados, mas até então o Presidente da FUNAI não os publicou no Diário Oficial da União.
Sem essa perspectiva, todas essas ações de reintegração de posse que possam a vir ser ajuizadas, tem uma grande chance de serem deferidas juridicamente, não há como viabilizar a posse permanente dos indígenas nessas terras sem ao menos ter esses relatórios publicados.

Outra problemática que permeia exclusivamente a comunidade de Apyka´i é o fato de que a possibilidade atual de reverter essa decisão favorável aos fazendeiros,  suspendendo a ordem de despejo é o ajuizamento de um recurso diretamente no STF (Supremo Tribunal Federal),  quem tem competência para isso são os Procuradores da AGU (Advocacia Geral da União) e do MPF (Ministério Público Federal). O prazo para tal medida começou em abril, porém, segundo as lideranças da Aty Guasu ainda não foi protocolado.

Se o despejo tem nova data, devido um erro processual do próprio juiz, foi remarcado para o dia 12 de maio, esse Procurador designado pela AGU, este faz parte da Procuradoria Federal Especializada junto à FUNAI, ou do MPF deveria já ter ajuizado tal recurso.
E se nenhum dos dois não o fez até agora é por questões políticas, porque a AGU, por ironia do destino, é o mesmo órgão que publicou a tão temida Portaria 303, que entrou em vigor no dia 05 de fevereiro de 2014. Em relação ao MPF soa estranho essa postura omissa, haja vista que tal órgão é reconhecido pela sua forte luta em defesa dos povos indígenas.  

Essa Portaria serve de empecilho para a efetivação da Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), que garante a consulta prévia aos povos indígenas, de forma livre e informada, antes de serem tomadas decisões que possam afetar seus bens ou direitos, bem como não permite a inserção de bases militares no interior das terras tradicionais.

Desse modo, verifica-se que a luta de Dona Damiana é bem mais complexa do que se pensa. A pressão política das lideranças indígenas e dos movimentos sociais tem de tomar três frentes: primeiro pressionar a FUNAI a fim de que os GT´S supramencionados voltem a ter efetividade, segundo pressionar a AGU para que esse recurso de suspensão de reintegração de posse junto ao STF seja de uma vez por todas ajuizado, e depois que este recurso estiver tramitando na Corte Suprema, há que se intensificar a pressão política em cima do Presidente, o Excelentíssimo Joaquim Barbosa.

Esse recurso será julgado apenas pelo Presidente do STF, e essa decisão terá um caráter eminentemente político, conforme explica Ellen Gracie:

“A leitura dos dispositivos que regem a matéria permite, desde logo, distinguir que a natureza do ato presidencial não se reveste de caráter revisional, nem se substitui ao reexame jurisdicional na via recursal própria. Para Francesco Conte, 'trata -se... de um ato de caráter administrativo, que, sob este prisma, será examinado pelo presidente do tribunal, não se ajustando na moldura de ação ou mesmo ao conceito de recurso' (Francesco Conte. Suspensão de execução de medidas liminares e sentenças contra o Poder Público, in ADV Advocacia Dinâmica: seleções jurídicas, julho/95, p.9). Em suma, o que ao Presidente é dado aquilatar não é a correção ou equívoco da medida cuja suspensão se requer, mas a sua potencialidade de lesão a outros interesses superiormente protegidos, como se verá adiante. Pode ser que a liminar ou sentença sejam juridicamente irretocáveis mas, ainda assim, ensejem risco de dano aos valores que a norma buscou proteger e, portanto, antes do trânsito em julgado, devam seus efeitos permanecer sobrestados (...) De tudo isso se conclui que nesta excepcional autorização, a Presidência exerce atividade eminentemente política avaliando a potencialidade lesiva da medida concedida e deferindo-a em bases extrajurídicas. Porque não examina o mérito da ação, nem questiona a juridicidade da medida atacada, é com discricionariedade própria de juízo de conveniência e oportunidade que a Presidência avalia o pedido de suspensão”. (NORTHFLEET, Ellen Gracie. Suspensão de sentença e liminar In Revista de Processo, nº 97, ano 25, janeiro março de 2000, pp.183-193).

Nós, membros do Coletivo Terra Vermelha, temos que botar a boca no trombone, fazer esse fato repercutir aos quatro cantos do mundo, com o intuito de que não só seja garantido o direito de permanecer na sua terra a Dona Damiana e a sua comunidade, mas a  todos os povos indígenas que estão nas retomadas.

C@maradas, Avante !