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domingo, 17 de fevereiro de 2008

Enquanto apagava o cigarro olhava ao redor e se sentia em casa naquele boteco.Tantas coisas ocorreram ali, em cada parte, cada espaço a fazia recordar os momentos intensos que tinha vivido naquele ambiente.

Morava em cima do bar, tomava o cafezinho de manhã, almoçava e jantava , se embriagava também.Gostava da mesinha do fundo, aquela ao lado do banheiro, para duas pessoas, a toalha de mesa era xadrezinha, bem coisa de paulista.

O dono do bar era uma figura, todas as noites pegava o seu violão e agitava a energia do lugar tocando Jovem Guarda. Ana não apreciava Roberto Carlos e sua trupe, tinha um gosto inclinado mais para os tropicalistas, amava Tom Zé e viajava ao som lisérgico dos Mutantes. Só que aquele momento em que Hamilton pegava o seu violão, e animava os aposentados que passavam praticamente o dia inteiro lá, se congelava, tornando-se até mesmo místico.

No começo Ana ficava meio retraída de se embriagar sozinha, mas depois foi relaxando, conhecendo os frequentadores e aquele ambiente acabou sendo o seu fiel companheiro.Algumas vezes escrevia poemas, quando estava bêbada as palavras fluiam de uma maneira tão natural e livre… tinha orgulho daquilo que escrevia, se sentia realmente feliz por ter experimentado os sabores da vida de maneira tão mágica. Lia em sua mente a primeira estrofe :

“Espero, Espero,
A luz percorre meu corpo,
A bebida se ilumina
na mesa de madeira
Eu sei que você não virá
mas continuo aqui
inspirada pela vodka
Tempo indefinido,
eterna esperança
que me corrói”

Pensava em Bárbara, tinha marcado às nove, o relógio marcava nove e meia. Ansiedade, palpitações, cigarros vários, a vontade de fazer xixi piorava a situação. Resolveu ir ao banheiro. Sentada na privada, observando os azulejos, se lembrou que naquela mesma posição Bárbara a beijará pela primeira vez.

Um beijo inocente, de pura amizade manifestada.Surpreendente,o gosto de sua saliva misturada com a de Bárbara lhe causava frio na barriga. Se deliciar com o mesmo sexo, e sendo ainda a sua melhor amiga, contorcia-se a alma.

Pede mais uma vodka, acompanhada com um suco de laranja, aquela mistura ajudava a relaxar. Acende outro cigarro, “ Onde diabos se meteu Bárbara?”, reclama mentalmente. Dá um gole fenomenal quando a tão esperada criatura invade o lugar.

Com uma mini saia, salto alto, blusa preta de uma manga só, e barriga à mostra, Bárbara surge como um arrastão para invadir os pensamentos dos velhinhos necessitados.

“O furor extinguira-se nele. Se fosse um único, se fosse apenas o Assunção, mas eram tantos! Afinal, não poderia sair, pela cidade, caçando os amantes. Ela explicou ainda que, todos os dias, quase com hora marcada, precisava escapar de casa, embarcar no primeiro lotação. O marido a olhava, pasmo de a ver linda, intacta, imaculada. Como e possível que certos sentimentos e atos não exalem mau cheiro? Solange agarrou-se a ele, balbuciava: "Não sou culpada! Não tenho culpa!". E, de fato, havia, no mais íntimo de sua alma, uma inocência infinita. Dir-se-ia que era outra que se entregava e não ela mesma. Súbito, o marido passa-lhe a mão pelos quadris: — "Sem calça! Deu agora para andar sem calça, sua égua!". Empurrou-a com um palavrão; passou pela mulher a caminho do quarto; parou, na porta, para dizer:

— Morri para o mundo.”

E era dessa forma que o imaginário da classe aposentada remetia a figura de Bárbara, era a dama da lotação sonhada por tantos rodriguianos.

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