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quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Descendo o Sarrafo






Eu sempre gostei de choro. Desde criança quando minha irmã dançou ao som de “brasileirinho” na apresentação de ballet em Fátima do Sul. Já tinha ouvido falar que ia acontecer o lançamento do cd de um compositor que não era daqui que teve o seu álbum censurado durante o regime militar ( até pensei será que ele era subversivo?).

Fui ao Aracy sozinha. Cheguei cedo, havia uma fila, e o que primeiro chamou minha atenção foi que as pessoas da fila eram justamente o oposto do que esperava, achava que ia ter um bando de intelectuais ou algo do tipo, e ao invés disso tinha gente de roupa simples e jeito humilde, ou melhor, era o povo mesmo prestigiando algo que um dia também fora tão popular.

Sentei na segunda fileira e vi o Sarrafo dando uma entrevista pra tv: falava alegremente, emocionado de estar ali, de ser a estrela da noite.

Sarrafo tem 93 anos, e é de uma lucidez impressionante. No palco havia fotos ampliadas, imagens antigas de um Sarrafo guri, da época que o rádio era o principal veículo de comunicação, e que a nata da música popular brasileira se apresentava em grandes shows com orquestras nos cassinos.

Começa o show: o Choro opus trio que se dispôs a recuperar todas as composições que se perderam no álbum censurado entra, com mais dois músicos convidados, um clarinetista e um outro na percussão tocando pandeiro.  Meninos tocando choro foi o que vi, meninos igual na foto do Sarrafo ali no palco.  Meninos que provavelmente nasceram bem no finalzinho do século XX, e que hoje se encantam com a música do começo do século XX. Meninos com uma desenvoltura genial.

E a cada música apresentada Sarrafo se erguia, aplaudia e dizia: Boa! Boa! 

Martinelli o fitava com olhos cheios d´ água, o chorinho de Sarrafo tem suas nuances, eu me vi chorando em vários momentos. Algumas composições eram de uma alegria, que até os meus pés se mexiam, outras eram disparadas diretamente no meu coração, para mim, era quase um fragmento da música argentina, eu ouvia tango misturado com o choro.

 Porém, o que me abalou e até me fez escrever sobre aquele momento foi justamente o fato de que Sarrafo aos 93 anos conseguiu realizar o seu sonho: ver suas composições registradas num álbum, coisa que ele esperou mais de 40 anos para acontecer.

Fez-me lembrar tanto do Cris, meu amigo compositor que mora na Holanda, me fez pensar o quanto é difícil a vida de um artista em território brasileiro.

Fiquei chateada por essa indústria cultural massificadora existir, principalmente aqui no Oeste onde as pessoas acham natural gostar de sertanejo, gastam dinheiro para comprar cd do  “tcherere/ tchu tcha”, ir ao show na boate da moda, e te encaram como se você fosse um ser de outro mundo, só porque tem discernimento e sabe o que realmente deve ser apreciado.

Ao mesmo tempo percebi que essas pessoas não são aquelas mesmas pessoas humildes que estavam no show, a maioria das pessoas de classe média alta de Campo Grande (sei lá a lógica disso) é que acha que gostar de sertanejo é ter status.

Pois bem, status é ter bom gosto, é ouvir Pixinguinha, Cartola, Paulinho da Viola, Guerra Peixe, Ernesto Nazareth , Noel Rosa, Candeia, Chico  e Sarrafo.

Me admira que essas pessoas que tem acesso livre ( porque tem condições financeiras) a cultura, que podem consumir o que realmente tem valor artístico, consomem merda!

É, vocês que vão na Valley e pagam R$ 50,00 para escutar uma música de merda,  que se fantasiam como se tivessem  saído da mesma fábrica (fábrica de barbies e de cowboys), vocês que enchem a cara de whisky e saí matando gente a torto e a direito com suas caminhonetes potentes, não passam de um bando de gente  manipulada, que não sabe distinguir porra nenhuma !

Pois eu estou fora dessa sociedade.

Prefiro me juntar aos que gostam de música e vida de verdade!

Prefiro ser o que sou do que me submeter a essa massa de gente hipócrita!

 Cris, tenho certeza meu amigo, que gente como você, que luta e sonha, um dia vai ter o seu valor.

É como Sarrafo disse: O nosso povo precisa de educação, porque povo sem educação é apenas um monte de gente amontoada !


4 comentários:

Coelho disse...

Olá, sou o clarinetista convidado para a gravação e lançamento. Suas palavras me comovem muito! Pessoas como você estão em um patamar acima da sociedade supracitada! Obrigado pela atenção. Continue nesse mundo cultural! Abraço e até mais!

Unknown disse...

Coelho eu que fiquei super feliz de ter ido ao show, e dessa mensagem ter chegado até vc!! Sucesso sempre! E obrigada pelos elogios!
Eu- Pollyana

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse...

Pri, suas palavras nunca foram tão claras. E, peço licença, para fazer delas, as minhas.
Mas olha, se em 2012 o mundo realmente não acabar, tenho fé que algo profundo vai mudar.
beijo e parabens pelo texto, Thais P