O
Projeto de Lei nº 728/2011, de autoria dos Senadores Marcelo
Crivella, Ana Amélia e Walter Pinheiro, que está prestes a ser
votado, tipifica vários crimes específicos que possam ocorrer
durante a Copa do Mundo no Brasil, tais crimes são temporários,
conforme se verifica no art. 2º, II e III :
Art.
2º Para
efeito desta Lei, a expressão:
II
– "no período que antecede a realização dos eventos”
compreende o período de 3 (três) meses que antecede o início das
competições;
III
– “durante a realização dos eventos” compreende o período em
que serão realizadas as competições previstas no artigo 1º,
conforme calendário estabelecido pela organização dos eventos;
Interpretando
tal dispositivo, verifica-se que a tramitação do PL está sendo
apressada no Congresso, uma vez que “3 meses que antecede o início
das competições” será no mês de março, assim, o PL já passou
pela análise da Comissão de Desenvolvimento Regional e Turismo
(decidiu arquivá-lo), Comissão de Assuntos Sociais (também
manifestou favoravelmente pelo arquivamento), Comissão de Educação, Esporte e Cultura (aprovou com emendas), falta passar pela Comissão
de Relações Exteriores e Defesa Nacional (ainda não juntou o
parecer), e finalmente pela Comissão de Constituição, Justiça e
Cidadania, que dará a decisão final.
Desse
modo, após passar pelo crivo da Comissão de Constituição, Justiça
e Cidadania, e for aprovado pela Casa iniciadora (Senado) vai direto
para Casa revisora, no caso a Câmara dos Deputados.
Posteriormente
pode acontecer dois caminhos: se for emendado, volta pra Casa
iniciadora (Senado), que vai apreciar as emendas, rejeitando-as ou
não, todavia, se for automaticamente aprovado em todo o seu teor, é
encaminhado ao Presidente da República, este irá escolher se
rejeita ou sanciona a Lei.
Se
rejeitar, volta para as duas Casas, dependendo da decisão, poderá
derrubar o veto, aí a lei deve ser promulgada pelo Presidente da
República, se ele não promulgar num prazo de 48 horas, o próprio
Presidente do Senado tem competência para promulgar e mandar
publicar a lei, ou se o Congresso Nacional aceitar a rejeição,
poderá arquivar o PL (vide arts. 65 a 67 da Constituição Federal
de 1988).
Explicado
o trâmite de como nasce uma lei (não é a única hipótese, existe
lei de iniciativa popular), esse é o caminho que o PL deverá
percorrer até março, vamos analisar o teor do PL supramencionado.
O
motivo da polêmica, primeiramente se consubstancia devido o art. 4º,
que tipifica o crime de terrorismo, in
verbis :
Art.
4º Provocar
ou infundir terror ou pânico generalizado mediante ofensa à
integridade física ou privação da liberdade de pessoa, por motivo
ideológico, religioso, político ou de preconceito racial, étnico
ou xenófobo:
Pena
– reclusão, de 15 (quinze) a 30 (trinta) anos.
§1º
Se resulta morte:
Pena
– reclusão, de 24 (vinte e quatro) a 30 (trinta) anos.
§
2º As penas previstas no caput e no § 1º deste artigo aumentam-se
de um terço, se o crime for praticado:
I
– contra integrante de delegação, árbitro, voluntário ou
autoridade pública ou esportiva, nacional ou estrangeira;
II
– com emprego de explosivo, fogo, arma química, biológica ou
radioativa;
III
– em estádio de futebol no dia da realização de partidas da Copa
das Confederações 2013 e da Copa do Mundo de Futebol;
IV
– em meio de transporte coletivo;
V
– com a participação de três ou mais pessoas.
§
3º Se o crime for praticado contra coisa:
Pena
– reclusão, de 8 (oito) a 20 (vinte) anos.
§
4º Aplica-se ao crime previsto no § 3º deste artigo as causas de
aumento da pena de que tratam os incisos II a V do § 2º.
§
5º O crime de terrorismo previsto no caput e nos §§ 1º e 3º
deste artigo é inafiançável e insuscetível de graça ou anistia.
Várias
indagações podem ser feitas em relação a esse dispositivo,
conforme artigo de Felipe Garcia “Senadores propõem que protestos
durante a Copa sejam considerados terrorismo e punidos com até 30
anos” :
“O
fechamento de uma via pode ser considerado privação da liberdade de
pessoa, considerando-se que a mesma terá, em certa medida, sua
liberdade de ir e vir cerceada por uma manifestação que bloqueie
uma via de acesso?
Como
motivação ideológica ou política, pode-se enquadrar a aversão a
possíveis gastos excessivos e a à corrupção e ao
superfaturamento ocorrido nas obras voltadas aos citados eventos
esportivos? Por que a motivação ideológica, justificativa
apresentada para tais atos, deveria constituir um agravante, isto é,
algo que enquadre a conduta no tipo penal?
O
que seria considerado 'infundir terror ou pânico generalizado'?
Seria possível enquadrar manifestações de enorme vulto, que somem
centenas de milhares de pessoas contrárias a determinado evento,
atrapalhando a sua realização ou, indiretamente, coibindo a
presença de pessoas no mesmo?
Caso,
em manifestações pacíficas, alguns sujeitos, inclusive
infiltrados por opositores aos protestos, iniciem depredações,
haverá uma preocupação em distinguir participantes pacíficos? Em
que medida esta lei poderá causar medo entre ativistas,
considerando-se que, caso estejam em uma manifestação legítima e
pacífica, poderão ser 'envolvidos' em crimes que poderão atingir
pena de até 30 anos? ”.
Portanto,
o tipo penal é muito aberto e pode ser enquadrado em várias
situações, outrossim, tal norma fere direitos fundamentais
previstos na Constituição Federal de 1988, tais como a liberdade de
expressão, liberdade de reunião e liberdade de consciência, todos
assegurados no art. 5º.
De
fato, o Estado se utiliza do seu poder de legislar para criminalizar
os movimentos sociais, aliás, foi nesse viés que a Presidenta Dilma
sancionou e promulgou a Lei nº 12.850/2013, conhecida como “Lei de
Segurança Nacional”.
Essa
nova lei tipifica a organização criminosa como sendo “a
associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e
caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com
objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer
natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas
máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter
transnacional” ( art. 1º § 1º).
Durante
as manifestações de outubro no Rio de Janeiro, vários ativistas
foram presos, a polícia civil segue investigando membros de
movimentos como Black Blocs e Anonymous, para enfim, tentar
enquadrar esses integrantes na Lei de Segurança Nacional, que podem pegar pena máxima de 8 anos de reclusão.
Outras
críticas podem ser feitas a nova lei, vejamos o que diz o Instituto
de Defensores de Direitos Humanos (IDDH), Centro de Assessoria
jurídica popular Mariana Criola e Justiça Global:
“
A lei é
flagrantemente inconstitucional. Sua redação ignora direitos já
conquistados na Constituição de 1988 e autoriza o Estado a
interceptar ligações telefônicas, ter acesso sem autorização
judicial a dados de empresas telefônicas, instituições
financeiras, provedores de internet e administradoras de cartão de
crédito, além de prever que policiais possam se infiltrar em
atividade de investigação”.
A
pergunta que não quer calar é: Porque a Lei de Segurança Nacional,
de antemão, não tipificou o crime de terrorismo?
Pesquisando
a legislação brasileira, o termo “terrorismo” só é encontrado
(além dos arts. 4º, VIII e art. 5º, XLIII da CF/88), na Lei nº
7.170/83, lei essa promulgada durante o regime militar, vejamos o
art. 20:
Art.
20 - Devastar, saquear, extorquir, roubar, seqüestrar, manter em
cárcere privado, incendiar, depredar, provocar explosão, praticar
atentado pessoal ou atos de
terrorismo,
por inconformismo político ou para obtenção de fundos destinados à
manutenção de organizações políticas clandestinas ou
subversivas.
Pena:
reclusão, de 3 a 10 anos.
Parágrafo
único - Se do fato resulta lesão corporal grave, a pena aumenta-se
até o dobro; se resulta morte, aumenta-se até o triplo.
Essa lei não foi recepcionada pela
Constituição Federal de 1988, obviamente pelo seu teor altamente
repressivo, porém, de maneira veementemente ilegal, dois jovens,
Humberto
Caporalli, de 24 anos, e Luana Bernardo Lopes, de 19 anos, foram
presos em outubro, durante um protesto na Praça da República em São
Paulo, sendo absurdamente enquadrados na lei da ditadura !
Por fim, o Estado cria várias formas
de reprimir os movimentos sociais, criminalizando o principal
instrumento que uma sociedade tem para participar ativamente na
construção de um Estado democrático de Direito: o direito de
manifestação.
As jornadas de junho nos ensinaram
uma lição, o povo exige mudanças, e intensificar a repressão
durante a Copa só fará a ânsia desses manifestantes aumentar.
Devemos nos mobilizar já, para que
esse Projeto de Lei nº 728/2011 não seja aprovado, não podemos
aceitar que uma lei, como a Lei nº 12.850/13 produza efeitos, uma
norma totalmente inconstitucional, a hora é agora, pressionar as
autoridades que tem competência para impetrar uma ADIN (Ação
Direta de Inconstitucionalidade) no STF, a fim de que tal lei seja
repelida do ordenamento jurídico.
Se a aberração jurídica nº
728/2011 for aprovada, viveremos em breve como nossos antepassados,
os anos de chumbo voltarão, e ainda pior, revestidos de democracia.
Fontes:
http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=103652
http://caco.jusbrasil.com.br/noticias/112346526/senadores-propoem-que-protestos-durante-a-copa-sejam-considerados-terrorismo-e-punidos-com-ate-30-anos
http://www.brasildefato.com.br/node/26305
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2013/Lei/L12850.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7170.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
http://www.plc122.com.br/projeto-de-lei/#axzz2rFxlBX2M
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