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terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Apyka´i e os entraves na luta de Dona Damiana












Como começar a falar de Apyka´i se até um mês atrás não sabia da existência daquela gente?
Na verdade, não era novidade para mim que vários indígenas viviam na beira da estrada aguardando a boa vontade do Poder Público em demarcar suas terras, mas não fazia ideia da miserabilidade que essas pessoas estavam inseridas.
Faço parte do Coletivo Terra Vermelha, uma entidade que não tem registro, não é uma Ong legalmente constituída,  surgiu para ajudar os povos indígenas de Mato Grosso do Sul. Somos professores, artistas do teatro, advogados, biólogos, jornalistas e estudantes, tentando disseminar a questão indígena aos quatro cantos do mundo. Somos pouco, mas somos fortes, como os nossos irmãos.
Recebemos um chamado de que a comunidade de Apyka´i estava prestes a ser expulsa do seu tekoha, o mandado de reintegração de posse já havia sido expedido, em 30 dias a Polícia Federal vai até lá tirar os indígenas à força se nada for feito, nos avisaram também que a líder era uma mulher, Dona Damiana, que havia muitas crianças naquele lugar, que havia fome, era preciso levar alimentos e roupas. Em novembro do ano passado fizemos uma campanha de arrecadação de alimentos e roupas, o foco era  Yvy Katu, escrevi um texto também sobre isso, só que por falta de logística não conseguimos entregar o que foi arrecadado. Yvy Katu fica a 450 km de Campo Grande, a gente precisava de uma kombi ou uma van pra levar todas as doações, veio o natal, ano-novo, recesso de fim de ano e a coisa ficou parada. Saiu nesse lapso temporal uma decisão favorecendo os indígenas de Yvy Katu, ficamos mais tranquilos, mais uma vitória para a luta continuar, para aumentar nossa esperança de que a justiça tarda mas não falha.
Agora, o problema que persiste em bater nas terras dos indígenas volta com a mesma roupagem, porém, bem mais próximo de nós, já que Apyka´i fica a 7 km de Dourados.
Resolvemos então levar as doações para aquele lugar esquecido. Não tem van, nem kombi? Vamos no meu carro, levar o máximo de doações que a gente puder!
Fomos, eu, Rogério e Gabriel. Eu tinha que trabalhar de manhã, saímos depois do almoço, pra fazer um bate e volta. Em Dourados, o advogado do Cimi nos recebeu, menino novo e valente esse Bruno! Gostei dele, sereno, atencioso, estava com uma jornalista gringa de Barcelona, e duas amigas de Sampa. Seguimos o carro dele, e na beira da estrada, em direção a Ponta Porã vejo uma bandeira do Brasil estendida no meio do mato. Estávamos em Apyka´i. Algumas barracas de lona, vi que tinha plantação de milho, abobrinha, nos acomodamos em um banquinho de madeira. Observei o lugar que eles faziam a comida, uma mesa improvisada no meio do acampamento, restos de frutas numa bacia cheia de moscas, tudo muito precário. Três crianças de mais ou menos 7, 8 anos nos olhava com curiosidade, pensava no meu filho, e na minha vida, de como eu reclamava à toa. Quando vi Dona Damiana fiquei impressionada com a força que ela transmitia, pequenininha e tão porreta, essa é a palavra. Foi contando a história da sua gente que é mais ou menos assim:
Há 14 anos tentavam retomar aquela terra, seus parentes estavam enterrados ali, ficaram muito tempo na beira da estrada, aquela era a terceira tentativa de se firmar no seu tekoha.  Em 2008, na segunda tentativa, eram vigiados por funcionários de uma empresa particular de segurança, a tão temida e conhecida "Gaspem". Quem queria impedir a sobrevivência daquele povo? Os supostos donos da terra, nessa parte da prosa que estou tendo com vocês há que se abrir um parêntese. A fazenda Serrana, de propriedade de Cássio Guilherme Bonilha Tecchio, foi arrendada para plantio de cana-de-açucar para a Usina São Fernando, a fim de que  fosse produzido etanol. Olha só a jogada política que está por trás desse mero fato, vou reproduzir aqui o conteúdo do "Dôssie Usina São Fernando", veiculado numa página da campanha guarani, feita especialmente para tratar a questão dos indígenas de Apyka´i:

 "A Usina São Fernando foi construída com dinheiro público do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e pelo Banco do Brasil (BB): 530 milhões de reais.
A ideia da Usina São Fernando surgiu entre 2006 e 2007, numa parceria entre Bumlai e uma família do agronegócio que progrediu muito no governo Lula, a Bertin. Donos de um grupo de frigoríficos fortemente apoiado pelo BNDES, os Bertin acabaram quebrando e seus frigoríficos foram comprados pelo concorrente JBS, com mais dinheiro do BNDES.
No ano passado, a São Fernando entrou em recuperação judicial, pendurando dívidas de 1,2 bilhão de reais. Do montante, 530 milhões são devidos ao BNDES e BB.
Estes dois bancos financiaram a construção da usina em Dourados, no Mato Grosso do Sul. A operação com o BNDES foi aprovada em dezembro de 2008, logo depois do início da crise financeira global, numa fase em que os bancos privados se recolheram e pararam de emprestar. Mas o projeto da família Bumlai já estava em andamento, embalado pelo estímulo do governo Lula ao aumento da produção brasileira de etanol.
José Carlos Bumlai conheceu Lula por intermédio do ex-governador do Mato Grosso do Sul, José Orcírio Miranda, o Zeca do PT. Na campanha de 2002, o então candidato Lula gravou peças para o horário político numa das fazendas de Bumlai. Tornaram-se amigos a tal ponto que o pecuarista era recebido mesmo sem marcar hora pelo ex-presidente no Palácio do Planalto. Bumlai virou uma espécie de conselheiro de Lula para o e passou a fazer parte do Conselho de Desenvolvimento Econômico Social de Lula.
Em 2011, Bumlmai foi investigado pelo Ministério Público Estadual de São Paulo por suposta participação em esquema de desvio de dinheiro público".
 
Pronto, depois da merda jogada no ventilador (desculpa pelo palavreado mas para os Petistas que estão lendo esse texto não há como negar que é este o efeito das palavras ultilizadas acima), posso continuar.
 
Em 2008 a "Gaspem" não deixava nem a Funai, nem a Funasa entregar as cestas básicas para os guerreiros de Apyka´i, o fazendeiro conseguiu na justiça um mandado de reintegração de posse, e lá se foi Dona Damiana com o seu povo para a beira da estrada novamente.
Só que a BR-463 estava em obras para ser duplicada, tiveram que se deslocar para o outro lado da rodovia, não tinham água potável para beber, buscavam água num córrego poluído para beber e fazer comida. Para piorar a situação, no ano seguinte um grupo armado invadiu o acampamento, atirando em todos e botando fogo nas barracas, um senhor de 62 anos foi ferido, o ataque ocorreu de madrugada, enquanto estavam dormindo.
Dona Damiana e seu filho nos levaram até o cemitério, 6 mortos no total. O último, um menino de 4 anos, neto de Dona Damiana morreu atropelado. Esse número só tende a aumentar, me passava pela cabeça, a única terra que eles podiam utilizar era aquele pedaço, apenas para enterrar os mortos.
Reelembrava que uma tia também havia falecido ali, um avião passou por três vezes jogando veneno, a tia que estava no meio de uma plantação de trigo não resistiu ao veneno, faleceu no mesmo dia.
Morrer atropelado é o mais comum em Apyka´i. Juntar o resto da carne dos parentes, guardar os ossos, contar essas histórias para quem os visita, é uma forma de resistência.
Fiquei com uma dor no coração quando ouvi essa história contada por Dona Damiana.
Me veio um receio de que um daqueles meninos que me encarava podia ser a próxima vítima desse descaso. Me lembrei da minha infância em Dourados, das índias batendo na porta de casa e pedindo: - Tem pão velho?
Tudo fazia sentido....
Entregamos os alimentos, roupas, alguns brinquedos, e fomos embora.
Fui embora com uma missão: não vou deixar Dona Damiana e o seu povo serem expulsos de lá novamente. Vamos articular manifestações, editar o vídeo com o depoimento de Dona Damiana, colocar na rede, fazer barricadas se for preciso.
Vamos nos unir "braço a braço", a Constituição Federal Brasileira garante esse direito a Dona Damiana. Não podemos mais esperar a boa vontade do Poder Executivo, este não está do lado de pessoas como Dona Damiana, o interesse maior é ficar do lado de donos de grandes empresas, são para esse tipo de gente que os políticos se importam, vamos ganhar mais dinheiro, o povo miserável dá-se um jeito, morre.
 
 
 
 

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