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quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Dilma : É proibido proibir !!!





A Presidenta Dilma Rousseff  confirmou ontem num programa de rádio em Alagoas, que o Governo Federal está prestes a apresentar um projeto de lei que irá legislar sobre as manifestações, a fim de coibir todo tipo de violência ultilizada nos protestos.

Verifica-se no cenário nacional, que nesse período pré-copa do mundo, vários projetos de leis estão começando a tramitar no Congresso Nacional, todos muito parecidos, na medida que tem como escopo o tipo penal do terrorismo, a proibição do uso de máscaras nas manifestações, penalizando principalmente os ativistas que se ultilizam da tática black bloc.

Tem até projeto de lei que penaliza quem estiver "compartilhando" na internet mensagens com ideologias que possam incitar a violência,  pena de 04 a 12 anos.

É sabido que essa preocupação vem das jornadas de junho do ano passado, tendo em vista que não cessaram as manifestações, a morte do cinegrafista da Band foi o estopim que o Governo precisava para declarar abertamente que no Estado Democrático de Direito, o poder de polícia do Estado vale mais do que "o exercício legítimo do direito à livre manifestação do pensamento, propiciada pelo exercício do direito de reunião " (Voto do Ministro Celso de Mello, ADPF 187).

Palavras da própria Presidenta:

"Os órgãos de segurança pública devem coibir a violência, cumprindo a lei, mas é preciso reforçar a lei e aplicar a Constituição, que garante a liberdade de manifestação, mas ela veda, proíbe o anonimato. Então estamos trabalhando numa legislação para coibir toda forma de violência em manifestações".
 
Então tá Dona Presidenta, vamos desconstruir esse seu discurso pé-de-chinelo.
Primeiro que a senhora cita acima o art. 5º, inciso IV da Constituição Federal de 1988, que na verdade dispõe acerca da liberdade de imprensa, assim, quando o jornalista apura os fatos, escreve a notícia e a veicula em algum meio de comunicação, esse profissional não pode se camuflar através do anonimato, pois tem responsabilidade civil se causar algum dano moral/material, e mais, o lesado tem o direito de resposta nesse mesmo veículo que saiu a notícia.
 
Nesse sentindo é a jurisprudência do STF:
 
"O art. 220 da Constituição radicaliza e alarga o regime de plena liberdade de atuação da imprensa, porquanto fala: a) que os mencionados direitos de personalidade (liberdade de pensamento, criação, expressão e informação) estão a salvo de qualquer restrição em seu exercício, seja qual for o suporte físico ou tecnológico de sua veiculação; b) que tal exercício não se sujeita a outras disposições que não sejam as figurantes dela própria, Constituição. (...) O art. 220 é de instantânea observância quanto ao desfrute das liberdades de pensamento, criação, expressão e informação que, de alguma forma, se veiculem pelos órgãos de comunicação social. Isto sem prejuízo da aplicabilidade dos seguintes incisos do art. 5º da mesma CF: vedação do anonimato (parte final do inciso IV); do direito de resposta (inciso V); direito a indenização por dano material ou moral à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas (inciso X); livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer (inciso XIII); direito ao resguardo do sigilo da fonte de informação, quando necessário ao exercício profissional (inciso XIV). Lógica diretamente constitucional de calibração temporal ou cronológica na empírica incidência desses dois blocos de dispositivos constitucionais (o art. 220 e os mencionados incisos do art. 5º). Noutros termos, primeiramente, assegura-se o gozo dos ‘sobredireitos’ de personalidade em que se traduz a ‘livre’ e ‘plena’ manifestação do pensamento, da criação e da informação. Somente depois é que se passa a cobrar do titular de tais situações jurídicas ativas um eventual desrespeito a direitos constitucionais alheios, ainda que também densificadores da personalidade humana. Determinação constitucional de momentânea paralisia à inviolabilidade de certas categorias de direitos subjetivos fundamentais, porquanto a cabeça do art. 220 da Constituição veda qualquer cerceio ou restrição à concreta manifestação do pensamento (vedado o anonimato), bem assim todo cerceio ou restrição que tenha por objeto a criação, a expressão e a informação, seja qual for a forma, o processo, ou o veículo de comunicação social. Com o que a Lei Fundamental do Brasil veicula o mais democrático e civilizado regime da livre e plena circulação das ideias e opiniões, assim como das notícias e informações, mas sem deixar de prescrever o direito de resposta e todo um regime de responsabilidades civis, penais e administrativas. Direito de resposta e responsabilidades que, mesmo atuando a posteriori, infletem sobre as causas para inibir abusos no desfrute da plenitude de liberdade de imprensa. (...) Incompatibilidade material insuperável entre a Lei 5.250/1967 e a Constituição de 1988. Impossibilidade de conciliação que, sobre ser do tipo material ou de substância (vertical), contamina toda a Lei de Imprensa: a) quanto ao seu entrelace de comandos, a serviço da prestidigitadora lógica de que para cada regra geral afirmativa da liberdade é aberto um leque de exceções que praticamente tudo desfaz; b) quanto ao seu inescondível efeito prático de ir além de um simples projeto de governo para alcançar a realização de um projeto de poder, este a se eternizar no tempo e a sufocar todo pensamento crítico no País." (ADPF 130, Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 30-4-2009, Plenário, DJE de 6-11-2009.) No mesmo sentido: Rcl 11.305, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 20-10-2011, Plenário, DJE de 8-11-2011; AI 684.535-AgR-ED, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 20-4-2010, Segunda Turma, DJE de 14-5-2010. Vide: ADI 4.451-MC-REF, rel. min. Ayres Britto, julgamento em 2-9-2010, Plenário, DJE de 24-8-2012
 
 
Dessa forma, o anonimato que a Presidenta cita nada tem a ver com as manifestações, o único dispositivo na Constituição Federal que disserta sobre o direito de participar das manifestações também está inserido no art. 5º:
 
XVI - todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente;
 
E só, em nenhum momento é vedado o uso de máscaras, ou seja, se essa lei que os setores reacionários estão querendo aprovar é indubitavelmente inconstitucional.
Se o direito de reunião está previsto no rol do art. 5,º é porque se trata de um direito fundamental, está esculpido no capítulo dos direitos e deveres individuais e coletivos, deve ser garantido a todas as pessoas, assim, não pode ser suprimido, pois segundo o art. 60, § 4º da CF/88, é cláusula pétrea.
 
Nessa vereda, a ADPF 187 julgada pelo STF, tinha como objeto a discussão da marcha da maconha, em que ficou decidido que a manifestação reivindicando a descriminalização deste entorpecente não feria nenhum pressuposto constitucional, cito mais uma vez as palavras do Ministro Celso de Mello:
 
"Dessa forma, esclareceu-se que seria nociva e perigosa a pretensão estatal de reprimir a liberdade de expressão, fundamento da ordem democrática, haja vista que não poderia dispor de poder algum sobre a palavra, as ideias e os modos de sua manifestação".
 
Pois bem, a Constituição garante o direito de reunião, porém ressalta que deve ser pacífica, e alguns podem se questionar, não é o caso das manifestações que estão ocorrendo no Brasil.
 
Verdade, e porque será que aqui no Brasil as manifestações pacíficas foram se dispersando?
O que querem os black blocs? Porque usam máscaras?
Da onde vem essa estratégia de luta?
Pra quê destruir símbolos do capitalismo?
 
A tática black bloc existe há mais de 30 anos, surgiu na Alemanha ocidental ,onde a esquerda promovia ações diretas contra a construção de usinas nucleares, montavam acampamento nesses terrenos, se juntaram também com o pessoal dos "squats" (ocupações abandonadas convertidas em moradias comunitárias), só que pra variar nessa época já existia uma grande repressão policial.
 
Na definição de Bruno Fiuza, historiador:
 
"Por mais redundante e bobo que, possa parecer, nunca é demais lembrar que um 'black bloc' (assim com artigo indefinido e letras minúsculas) é um 'bloco negro', ou seja: um grupo de militantes que optam por se vestir de negro e cobrir o rosto com máscaras da mesma cor para evitar serem identificados e perseguidos pelas forças de repressão".
 
Esse tipo de resistência foi se espalhando pelo mundo, chegou aos EUA no final da década de 80, porém,  foi nos anos 90 que a mídia começou a dar espaço aos atos antiglobalização, as manifestações contra a OMC em Seattle em 1999 foi noticiada pela mídia internacional tendo em vista que os black blocs passaram a realizar ataques seletivos contra símbolos do capitalismo global.
 
No Brasil, através dos Núcleos de Ação Global dos Povos (coletivos libertários que se disseminavam em todo o mundo) , foi realizada o primeiro dia de Ação Global, no dia 26 de setembro de 2000, em São Paulo, os protestos ocorriam simultaneamente em vários lugares, com o objetivo de criticar a reunião do FMI em Praga. O prédio do banco Bovespa foi atacado, gerando o confronto entre os ativistas e os policiais, a maior parte desses manifestantes eram ligados ao movimento anarcopunk.
 
Já a segunda manifestação brazuca ocorreu em abril de 2001, devido a reunião da Cúpula das Américas, realizada em Quebec, Canadá, onde era viabializada a criação da Alca, na avenida paulista uma loja do MCDonald´s foi apedrejada.
 
 Um fato importantíssimo (considerado o grande divisor de águas da luta dos black blocs) fincando na história, foi o que aconteceu na Itália, no ano de 2001, conhecido como a batalha de Gênova.
O dia da ação global de 20 de julho de 2001 , foi articulado contra a reunião do G-8, 300 mil pessoas de um lado e um forte aparato repressivo do outro, assim foi alvejado o primeiro manifestante dos atos antiglobalização, Carlo Giuliani, assassinado com um tiro na cabeça.
Outro episódio marcante foi o ataque ao complexo das escolas A. Diaz, no local funcionava a coordenação do Genoa Social Forum, uma sala de imprensa e um dormitório improvisado. A polícia chegou batendo em todos que estavam ali, resultado: 61 pessoas ficaram feridas, 3 em estado grave, um jornalista em coma,  93 pessoas foram detidas, sofrendo represálias na prisão.
O filme Diaz - Don't Clean Up This Blood (em português, Diaz - Não limpe esse sangue), de Daniele Vicari, retrata toda a violência sofrida no dia dos fatos.

As jornadas de junho de 2013 no Brasil também não fogem à regra de dias vividos como os que ocorreram em Gênova. Jornalistas e manifestantes foram alvos de balas de borracha e bombas de gás lacrimogênio, muita gente foi presa, e conforme reportagem da BBC nenhum policial foi punido.

As máscaras surgem nesse cenário de horror, não é que os manifestantes não tem coragem de mostrar seus rostos, a verdade é que eles não podem, o Estado truculento com a sua polícia repressora  faz com que esses manifestantes se escondam por trás de suas camisetas amarradas na cara, é um jeito de se proteger, uma maneira eficaz de não ser reconhecido.

Se a própria polícia muitas vezes atua sem tarja de identificação, porque os manifestantes também não podem se ultilizar de tal medida de segurança?

Ademais, se um policial aborda um manifestante "mascarado" e pede seu RG, este não será mais "anônimo", logicamente que a polícia não poderá prendê-lo alegando prisão para averiguação, já que este tipo de prisão não existe mais em nosso ordenamento jurídico.

Observa-se assim que essa lei for sancionada, a nossa democracia que caminha a passos lentos, sofrerá um retrocesso arrebatador, Dona Dilma além de rasgar a Constituição, estará jogando no lixo toda a sua história de luta.

Tudo isso por causa de uma Copa do mundo que perdurará apenas por um mês....


Fontes:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/02/1415061-projeto-da-camara-preve-pena-de-ate-tres-anos-de-prisao-para-block-blocks.shtml

 http://noticias.terra.com.br/brasil/policia/nenhum-pm-foi-punido-desde-junho-por-incidentes-em-protestos-em-sp,2108f3a05ab44410VgnCLD2000000dc6eb0aRCRD.html

 http://rebaixada.org/policial-identifique-se-campanha-pela-identificao-de-poli/

http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=182124

http://pt.wikipedia.org/wiki/Manifesta%C3%A7%C3%B5es_contra_a_reuni%C3%A3o_do_G8_em_G%C3%AAnova

http://www.viomundo.com.br/politica/black-blocs-a-origem-da-tatica-que-causa-polemica-na-esquerda.html

http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2014/02/19/dilma-defende-lei-rigorosa-contra-vandalismo-nas-ruas.htm
 
 
 
 

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