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segunda-feira, 28 de abril de 2014

O Bote da Loba, Plínio em busca da libertação sexual das mulheres.

 
                         Sentei na primeira fila, uma das atrizes que participa da peça “O Bote da Loba”, de autoria do marginal Plínio Marcos (texto inédito, nunca montado), é a minha amiga do coração Aline Calixto. Ela já tinha lançado a deixa que o espetáculo tem uma temática feminista.

Me deparei com a maga/cartomante Veriska já no palco (representada pela atriz Patrycia Andrade), de olhos fechados, concentrada, esperando a sua próxima cliente, Laura.

Laura (representada pela amiga Aline) traz no seu olhar a angústia de não saber o que é nesse mundo. Casada com um homem rico, sem filhos, sente dores terríveis pelo corpo, chora, não sabe mais a quem procurar. Veriska tira as cartas e a imagem da torre aparece, ri, já previa o problema, já sabia do que se tratavam as angústias de Laura.

Laura é enrustida sexualmente, não sabe o que é prazer, não tem orgasmos, é procurada pelo marido para ser a sua boneca inflável, nessa perspectiva nos deparamos com a questão da libertação sexual, pauta tão debatida pelo movimento feminista.

É verdade que a peça foi escrita no final dos anos 90, mas esse prazer invisível ainda faz parte do cotidiano de muitas mulheres. Sim, porque o casamento com essa concepção romântica é coisa muito contemporânea, a mulher não tinha outro destino, nascia para servir o marido e só.

E não apenas servir fazendo o trabalho doméstico, procriando e cuidando dos filhos, servia sexualmente como objeto, o homem tinha vontade, abria as pernas da sua esposa, gozava em poucos minutos, e pronto, esse era o sexo que a mulher tinha contato.

E hoje em dia, em pleno século XXI, será que é diferente?

Bom, podemos dizer que a mulher das décadas de 60 e 70 rompeu com esse papel submisso, primeiro, porque começou a participar de atividades fora de casa, o slogan feminista “O privado é público”, demonstra essa vontade de eliminar as amarras estabelecidas pela sociedade patriarcal.

A mulher passa então (lógico que algumas já questionavam o seu papel) a frequentar universidades, trabalhar, se tornar independente, escolher o seu verdadeiro destino.

Com a propagação da pílula anticoncepcional, a mulher tem um novo instrumento para se libertar, pode fazer sexo com o parceiro desejado, sem ter como finalidade a procriação.

Não podemos esquecer que todas essas transformações foram numa época de efervescência cultural e política, a década de 60 é vista até hoje como a década libertária, onde todos os sonhos eram possíveis.

E hoje, principalmente, nós, mulheres, colhemos os frutos dos anos denominados “rebeldes”. Não precisamos casar, fazemos sexo com bem entender, nos masturbamos, falamos sobre sexo abertamente, se a gente optar não precisa ter filhos, podemos assumir a nossa homossexualidade ou bissexualidade...só que na verdade, podemos fazer tudo isso, porém ainda sofremos muito preconceito, porque o sexo continua a ser um tabu.

Mesmo estando na época das redes sociais, o sexo, principalmente tendo como protagonistas as mulheres é pouco debatido, a mulher que admite que gosta de sexo, ainda é vista de maneira pejorativa.

Voltando a peça, só para exemplificar, Veriska então convence Laura que sua libertação deve ter como gênese o prazer, só alcançado através do ato sexual. Se conhecer, se permitir, deixar-se tocar, sentir tesão, sem achar anormal, sem ter o pensamento cristão que sexo é ruim, é pecado etc.

Arranca a roupa de Laura e delicadamente beija-a por todo o corpo, Veriska também nua faz sexo oral na sua cliente, uma cena belíssima, que pra mim não foi constrangedor, não teve conotação pornográfica, acho natural duas mulheres sentirem prazer fazendo sexo. Aliás, a mulher que se conhece vai saber tocar outra mulher muito melhor que um homem, que muitas vezes não sabe nem enfiar o dedo no lugar certo.

Só que as senhoras sentadas atrás de mim ficaram chocadas, escutei-as falando bem baixinho: “Aí, credo!”, dei risada, e foi a partir daí que me veio a ideia de escrever esse texto.

Plínio, como sempre, fruto da contracultura dos anos 60, foi genial, em colocar em pauta essa questão, tendo em vista que a temática pertence ainda a nosso tempo.

O Mercado Cênico montando esse texto inédito do “escritor maldito”, age na vanguarda teatral em nosso estado, pois MS (pra quem vive aqui) continua a ser extremamente conservador e fechado. Talvez Plínio tenha escrito com esse propósito, atingir essas pessoas que não romperam com o pensamento de culpa, que não se deixaram levar pelas veredas do sentir prazer, gozar, falar palavrão ao pé do ouvido, que acham nojento pessoas do mesmo sexo se relacionar, que acham vergonhoso admitir que também pensam em sexo, pois tem aquela percepção que o ato sexual é algo sujo, grotesco, errado.

Estamos imersos nessa cultura patriarcal, e não percebemos, mesmo eu que me considero tão libertária, esses dias queria entrar num sex shop, estava pensando seriamente em comprar um vibrador (ÓÓÓ...vão dizer os puritanos!), só que era dia de semana, o centro da cidade lotado, fiquei com vergonha e fui embora.

Outro exemplo de como essa cultura machista nos é imposta, quando fiz 30 anos, ouvia da minha tia (que também não se casou), “Se você não casar agora, depois não casa mais”, esse peso de ter que pertencer a alguém, ou ter que ter mais filhos, ter que constituir uma família, ser a mulherzinha da casa, atinge as mulheres de maneira desastrosa, procuramos no outro a nossa felicidade, sem saber que a gente pode ser feliz sem esse tormento de ter que arranjar um parceiro(a) pro resto da vida.

Muitas mulheres que são casadas enfrentam a “tripla” jornada de trabalho, cuidam da casa e dos filhos, trabalham o dia todo, e quando estão com seus respectivos maridos, tem que cumprir a função sexual, sem realmente estar querendo, apenas para satisfazer o macho, que inconscientemente a domina.

Termino o texto parabenizando a equipe de “O Bote da Loba”, uma vez que pra se fazer um trabalho como esse tem que ter muita coragem, ainda mais quando vivemos num estado onde se impera o pensamento conservador que mulher boa é aquela que sabe se comportar, não usa roupas curtas, não fala palavrão, não teve muitos parceiros, não dança na frente do palco, só tem amigas do sexo feminino .

Levar ao palco essa temática é poder estimular o debate em todas as classes sociais, é colocar em pauta a libertação sexual da mulher, é quebrar tabus, é sim, virar a sociedade do avesso, rompendo com a ideia dominante da cultura machista!















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