Dona Damiana e seus familiares ocupam mais ou menos 3
hectares de terra, que fica quase na beira da estrada, no entorno de
Dourados/MS, os barracos estão erguidos entre a fazenda Serrana e a área de
preservação ambiental, ao redor de muita
cana- de- açúcar.
Há mais de 15 anos, a pequena Damiana vai e volta do tekoha Apyka´i. Já foi despejada dali 6 vezes, os ilusórios
“proprietários” de terra se utilizam de meios legais e ilegais para coagir a
forte liderança Guarani Kaiowá , ajuízam ações de reintegração de posse,
contratam seguranças privados, atropelam os indígenas que insistem em
permanecer na sua terra sagrada.
Quem nunca foi a Dourados não faz ideia dessa situação, a
cidade é marcada pelo agronegócio, Mato Grosso do Sul é reconhecido como o
estado da soja, das cabeças de boi e atualmente da produção de cana-de-açucar,
matéria prima dos biocombustíveis.
Os vários povos indígenas que conseguiram sobreviver a esse
atropelamento capitalista, nesta região, vivem “confinados” em reservas, sem
perspectiva de sobrevivência, são obrigados a vender a sua força de trabalho,
não tendo espaço para plantar.
Muitos através desse contato com os outros trabalhadores da usina, com os habitantes da cidade, começam a beber, às vezes são forçados a seguir esse caminho, tendo
em vista que essa nova relação social faz parte da sua sobrevivência, não há
possibilidades de viver da terra.
Alguns insistem como Dona Damiana em reverter esse quadro, a
terra para os índios não tem essa concepção de enriquecimento, e há tanto a
aprender com eles, a terra tem vida, gera alimentos, não é feita para encher o
bolso de dinheiro.
O que se passa com Apyka´i é vergonhoso. Ali não há condições
para se obter o mínimo do que se refere ao princípio da dignidade da pessoa
humana, não estou falando só das condições materiais, mas sim que a qualquer
momento há a tensão de ser exterminado, os pistoleiros contratados pelos
fazendeiros chegam à luz do dia atirando nos barracos.
A fazenda onde está localizada essa comunidade dos Guaranis
Kaiowá foi arrendada para funcionar a Usina São Fernando, usina esta financiada
pelo Governo Federal durante o mandato de Lula.
Há um grande interesse político e econômico para retirar Dona
Damiana dali, a uma porque o lugar onde ela está faz parte da iniciativa do
Governo de tornar o MS em um grande canavial, e também porque no entorno de
Dourados estão sendo construídas várias residências, condomínios, há uma forte
especulação imobiliária.
Além disso, despejar Dona Damiana, significa que todas as outras
áreas que os indígenas estão ocupando, mais ou menos 19, nessa mesma região,
vão sofrer ações de reintegração de posse, assim, o despejo em Apyka´i vai
refletir no despejo das outras comunidades.
Os GT´S (Grupos de Trabalho) que realiza a identificação
prévia dos limites das áreas ocupadas, primeira fase para se consolidar a
demarcação das terras indígenas,estão
suspensos desde 2009, esse GT da área que estamos nos referindo tem a
denominação de “Dourados-Brilhantepegua”.
É sabido que alguns relatórios antropológicos já estão
finalizados, mas até então o Presidente da FUNAI não os publicou no Diário
Oficial da União.
Sem essa perspectiva, todas essas ações de reintegração de
posse que possam a vir ser ajuizadas, tem uma grande chance de serem deferidas
juridicamente, não há como viabilizar a posse permanente dos indígenas nessas
terras sem ao menos ter esses relatórios publicados.
Outra problemática que permeia exclusivamente a comunidade de
Apyka´i é o fato de que a possibilidade atual de reverter essa decisão favorável aos fazendeiros, suspendendo a ordem de despejo é o ajuizamento de um recurso diretamente no STF (Supremo Tribunal
Federal), quem tem competência para isso são os Procuradores da AGU
(Advocacia Geral da União) e do MPF (Ministério Público Federal). O prazo para tal medida começou em abril, porém,
segundo as lideranças da Aty Guasu ainda não foi protocolado.
Se o despejo tem nova data, devido um erro processual do
próprio juiz, foi remarcado para o dia 12 de maio, esse Procurador designado
pela AGU, este faz parte da Procuradoria Federal Especializada junto à FUNAI, ou do MPF deveria já ter ajuizado tal recurso.
E se nenhum dos dois não o fez até agora é por questões políticas, porque a
AGU, por ironia do destino, é o mesmo órgão que publicou a tão temida Portaria
303, que entrou em vigor no dia 05 de fevereiro de 2014. Em relação ao MPF soa estranho essa postura omissa, haja vista que tal órgão é reconhecido pela sua forte luta em defesa dos povos indígenas.
Essa Portaria serve de empecilho para a efetivação da
Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), que garante a
consulta prévia aos povos indígenas, de forma livre e informada, antes de serem
tomadas decisões que possam afetar seus bens ou direitos, bem como não permite
a inserção de bases militares no interior das terras tradicionais.
Desse modo, verifica-se que a luta de Dona Damiana é bem mais
complexa do que se pensa. A pressão política das lideranças indígenas e dos
movimentos sociais tem de tomar três frentes: primeiro pressionar a FUNAI a fim
de que os GT´S supramencionados voltem a ter efetividade, segundo pressionar a
AGU para que esse recurso de suspensão de reintegração de posse junto ao STF
seja de uma vez por todas ajuizado, e depois que este recurso estiver
tramitando na Corte Suprema, há que se intensificar a pressão política em cima
do Presidente, o Excelentíssimo Joaquim Barbosa.
Esse recurso será julgado apenas pelo Presidente do STF, e
essa decisão terá um caráter eminentemente político, conforme explica Ellen
Gracie:
“A leitura dos dispositivos que regem a matéria permite,
desde logo, distinguir que a natureza do ato presidencial não se reveste de
caráter revisional, nem se substitui ao reexame jurisdicional na via recursal
própria. Para Francesco Conte, 'trata -se... de um ato de caráter administrativo,
que, sob este prisma, será examinado pelo presidente do tribunal, não se ajustando
na moldura de ação ou mesmo ao conceito de recurso' (Francesco Conte. Suspensão
de execução de medidas liminares e sentenças contra o Poder Público, in ADV
Advocacia Dinâmica: seleções jurídicas, julho/95, p.9). Em suma, o que ao
Presidente é dado aquilatar não é a correção ou equívoco da medida cuja
suspensão se requer, mas a sua potencialidade de lesão a outros interesses
superiormente protegidos, como se verá adiante. Pode ser que a liminar ou
sentença sejam juridicamente irretocáveis mas, ainda assim, ensejem risco de
dano aos valores que a norma buscou proteger e, portanto, antes do trânsito em
julgado, devam seus efeitos permanecer sobrestados (...) De tudo isso se
conclui que nesta excepcional autorização, a Presidência exerce atividade eminentemente
política avaliando a potencialidade lesiva da medida concedida e deferindo-a em
bases extrajurídicas. Porque não examina o mérito da ação, nem questiona a
juridicidade da medida atacada, é com discricionariedade própria de juízo de
conveniência e oportunidade que a Presidência avalia o pedido de suspensão”. (NORTHFLEET,
Ellen Gracie. Suspensão de sentença e liminar In Revista de Processo, nº 97,
ano 25, janeiro março de 2000, pp.183-193).
Nós, membros do Coletivo Terra Vermelha, temos que botar a
boca no trombone, fazer esse fato repercutir aos quatro cantos do mundo, com o
intuito de que não só seja garantido o direito de permanecer na sua terra a
Dona Damiana e a sua comunidade, mas a todos
os povos indígenas que estão nas retomadas.
C@maradas, Avante !
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