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quinta-feira, 26 de junho de 2014

Colonialidade do poder e Eurocentrismo- conceitos de Aníbal Qujano - o que a aldeia urbana Água Bonita e a comunidade de Furnas de Boa Sorte tem a ver com isso ???


casa com desenhos indígenas na aldeia urbana Água Bonita

artesanato terena

Aldeia urbana Água Bonita

escola da aldeia urbana Água Bonita

fachada com desenhos indígenas

comunidade de Furnas de Boa Sorte representando a violência sofrida pelos quilombos

Encontro do TPT em Furnas de Boa Sorte

Morador de Furnas de Boa Sorte

Liderança indígena Guarani-Kaiowá no encontro do TPT em Furnas de Boa Sorte

Morro São Sebastião em Furna de Boa Sorte


Entre os dias 10 e 15 de junho do presente ano, tive o privilégio de conhecer a aldeia urbana Água Bonita, localizada em Campo Grande, e a comunidade  remanescente de quilombolas Furnas de Boa Sorte, que fica entre as cidades de Rochedo e Corguinho, no interior do estado de Mato Grosso do Sul.
Primeiramente, irei descrever o contexto social e histórico de cada comunidade, para posteriormente fazer um paralelo com os conceitos de Aníbal Quijano em relação à colonialidade do poder e eurocentrismo, além da questão da interculturalidade crítica abordada pela professora Catherine Walsh.

A aldeia Água Bonita existe desde 2001, é a segunda aldeia urbana de Campo Grande, foi instituída no Governo do Zeca do PT, todavia, a grande liderança por trás da implantação da aldeia é a indígena Marta Guarani.

Localizada na periferia da cidade, perto do bairro Tarsila do Amaral, algumas residências são de alvenaria, com pinturas indígenas, outras são barracos, é constituída por 60 famílias, de etnias diversas, Terena, Guarani-Kaiowá e Kadiwéu, sendo a maioria a etnia Terena, como a aldeia fica afastada do centro da cidade é bastante arborizada.

Observa-se que no centro da aldeia existe uma construção em forma de círculo, que quando foi inaugurada, não tinha paredes, só que com o decorrer do tempo, devido a questões de segurança, foram levantadas as paredes que a cercam, hoje é o local de reunião da comunidade,  funciona também uma escola, onde as crianças tem aula toda quarta-feira, no período matutino, aprendem a língua terena.

Há também uma igreja católica, uma das indígenas entrevistadas me disse que a religião predominante é a católica, mas que atualmente muitos estão se tornando evangélicos. Dona Maria, esposa do cacique Nito, da etnia Guarani-Kaiowá, me relatou que os evangélicos estão proibindo os Guaranis-Kaiowá de fazer a sua reza, impondo a religião evangélica, não respeitando a cultura dos indígenas.

As mulheres indígenas para ajudarem na renda familiar, trabalham de diaristas, feirantes, fazem artesanato e vendem para a Casa do Artesão, os homens trabalham como pedreiros, carpinteiros e nos frigoríficos da cidade.

Um dos problemas enfrentados por essa comunidade segundo seus próprios habitantes, é que a área não é regularizada, apesar de ser uma aldeia urbana, não é reconhecida pelo Governo Federal como sendo um território indígena, assim, ocorre à venda de terrenos para não indígenas sem controle do Poder Público.

Já a comunidade remanescente dos quilombos,  conhecida como Furnas de Boa Sorte, que tem aproximadamente 1.413 hectares, localizada entre Rochedo e Corguinho, é composta por 45 famílias, tendo o registro na Fundação Palmares, do Ministério da Cultura, em 1988. Seus fundadores, José Matias Ribeiro, Bonifácio Lino Maria e João Bonifácio eram de Minas Gerais, habitaram aquela região no final do século XIX (Disponível em: http://pt.wikiversity.org/wiki/Wikinativa/Furnas_da_Boa_Sorte).

Os quilombos foram expropriados de suas terras por fazendeiros e grileiros, e somente em 2007, o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) reconhece o território como  quilombola e autoriza a desapropriação das áreas incidentes à  propriedade (Disponível em:  http://portal.mda.gov.br/portal/noticias/item?item_id=3574801 ).

Apesar de ter sido reconhecida como terra quilombola, o processo de desapropriação ainda está em andamento, fui conhecer essa comunidade devido o Encontro do Tribunal Popular da Terra, realizado nos dias 14 e 15 de junho, que reuniu os descendentes de quilombolas, indígenas e campesinos.

A questão da terra foi o tema principal do encontro, participei da oficina “A mulher na luta pela terra e na terra: classe, raça e gênero”, realizada pelo IBISS (Instituto Brasileiro de Inovações pró- Sociedade Saudável), foram relatados vários problemas enfrentados pela comunidade, como a falta de transporte, na escola não há o ensino fundamental completo, também não existe a coleta do lixo, tampouco um posto de saúde que fique próximo da comunidade.

Pois bem, depois de apresentar o contexto social e histórico das duas comunidades, é possível fazer um paralelo com os conceitos de Aníbal Quijano, no seu artigo “Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina”, inserido no livro, “A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas”, publicado em 2005 .

Embora esses dois lugares tenham a sua própria história, e sejam de diferentes contextos, ambos são atingidos pela colonialidade do poder, que segundo Quijano (Op. cit, 2005), está vinculada a ideia de raça, como a Europa se utilizou desta a fim de obter um controle social, na medida que o capitalismo ia se estruturando e se expandindo.

Observar as duas comunidades, uma formada por indígenas de várias etnias, Terena, Guarani-Kaiowá e Kadiwéu, e outra pelos remanescentes de quilombos, é verificar na prática que os conceitos de Quijano (2005, p. 107) continuam latentes.

A formação de relações sociais fundadas nessa idéia, produziu na América identidades sociais historicamente novas: índios, negros e mestiços, e redefiniu outras (...) E na medida em que as relações sociais que se estavam configurando eram relações de dominação, tais identidades foram associadas às hierarquias, lugares e papéis sociais correspondentes, com constitutivas delas, e, conseqüentemente, ao padrão de dominação que se impunha (…)
A posterior constituição da Europa como nova id-entidade depois da América e a expansão do colonialismo europeu ao resto do mundo conduziram à elaboração da perspectiva eurocêntrica do conhecimento e com ela à elaboração teórica da idéia de raça como naturalização dessas relações coloniais de dominação entre europeus e não-europeus. Historicamente, isso significou uma nova maneira de legitimar as já antigas idéias e práticas de relações de superioridade/inferioridade entre dominantes e dominados.

Dessa forma, contextualizando historicamente esses dois povos, que foram dominados pelos europeus “brancos”, obrigados a trabalhar sem serem recompensados, que tiveram sua cultura inferiorizada, que quase foram exterminados, tendo em vista a violência e opressão que foram submetidos, tudo em nome da concentração do capital na Europa, verifica-se, assim, que esses povos continuam sofrendo as consequências desse capitalismo desenfreado.

 Para o autor (Quijano, 2005, p. 115), o eurocentrismo vem ser: “a elaboração intelectual do processo de modernidade produziu uma perspectiva de conhecimento e um modo de produzir conhecimento que demonstram o caráter do padrão mundial do poder: colonial/moderno, capitalista e eurocentrado”.

Então, o eurocentrismo, se sobrepõe as demais culturas, estas que foram dominadas, há um controle que visa impor os papéis sociais, tudo que é considerado “moderno”, entrelaçado com a ideia de progresso, pertence ao velho mundo, a Europa ocidental.

Daí, negros e índios, nessa visão eurocêntrica, com suas “raças inferiores, capazes somente de produzir culturas inferiores” (Quijano, 2005, p. 116), já tem o seu papel pré-estabelecido, de apenas servir a Europa, de serem eternamente colonizados, explorados, mão de obra barata.

Ou se não são vistos nessa perspectiva, quando lutam em defesa dos seus direitos, pela demarcação de suas terras, que afinal de contas, estão assegurados pela Constituição Federal de 1988, e não tem como objetivo pertencer a esse mundo do agronegócio, dos grandes latifúndios de soja, cana-de-açúcar, eucalipto, gado, etc, são tratados pela sociedade como “vagabundos, preguiçosos, baderneiros” (Disponível em: http://itapebiacontece.com/noticias/3135,itapebi-homem-e-morto-com-um-tiro-no-pescoco-na-area-invadida-por-indios.html ), pois optaram seguir suas próprias premissas, dando as costas ao sistema capitalista.

Os dominadores de ontem e hoje sempre estiveram muito mais próximos da burguesia europeia, são dependentes desta, os grandes latifundiários exportam a sua produção, assim, o mundo capitalista gira, enquanto que índios e negros, sobrevivem confinados em reservas e favelas.

Conforme explicita Qujano (2005, p. 123):

Por outro lado, nas outras sociedades ibero-americanas, a pequena minoria branca no controle dos Estados independentes e das sociedades coloniais não poderia ter tido nem sentido nenhum interesse social comum com negros, índios e mestiços. Ao contrário, seus interesses sociais eram explicitamente antagônicos com relação dos servos índios e escravos negros, dado que seus privilégios compunham-se precisamente do domínio/exploração dessas gentes. De modo que não havia nenhum interesse nacional comum a todos eles. Por isso, do ponto de vista dos dominadores, seus interesses sociais estiveram muito mais próximos dos interesses de seus pares europeus, e por isso estiveram sempre inclinados a seguir os interesses da burguesia europeia. Eram, pois, dependentes.

A colonialidade do poder, atingiu principalmente a América Latina, pois, se utilizou da raça como instrumento de dominação, portanto, essa estrutura eurocêntrica, teve ainda total recepcionalidade, uma vez que foi adotada pelos grupos dominantes, com o intuito do Estado-nação se consolidar nas veredas do sistema capitalista.

Apesar de serem reconhecidos pela Constituição Federal de 1988, a organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, dos índios, bem como os direitos originários dos índios, em relação as suas terras,  conforme dispõem os arts. 231 e 232,  também aos remanescentes das comunidades dos quilombos foi reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos, de acordo com o  art. 68, dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias, a Carta Magna, na prática não é cumprida.

Ainda, foi publicado em 2003, o Decreto nº 4.887, concernente à afirmação dos direitos territoriais dos grupos étnicos minoritários, e recentemente a Presidenta Dilma, publicou uma lei que visa reservar uma porcentagem de 20% das vagas do serviço público do Poder Executivo para os negros, além das cotas para as universidades.

Poderia se dizer então, que esses avanços de reconhecer os aspectos culturais dos indígenas, e dos remanescentes de quilombolas, que valoriza a diversidade étnica e regional, acontece numa perspectiva de interculturalidade.

No ensinamento de Catherine Walsh, no seu artigo “Interculturalidade crítica e educação intercultural”, inserido no livro “Construindo a Interculturalidade Crítica”, publicado em 2010, a interculturalidade se apresenta em três perspectivas:  a primeira é relacional “faz referência da forma mais básica e geral ao contato e intercâmbio entre culturas”,  a segunda é a funcional , “não toca as causas da assimetria e desigualdades sociais e culturais, tampouco 'questiona as regras do jogo', por isso é 'perfeitamente compatível com a lógica do modelo neoliberal existente' ”, a terceira é a interculturalidade crítica, “ (…) não partimos do problema da diversidade ou diferença em si, mas do problema estrutural-colonial- racial. Isto é, de um reconhecimento de que a diferença se constrói dentro de uma estrutura e matriz colonial do poder racializado e hierarquizado, com os brancos e 'branqueados' em cima, e os povos indígenas e afrodescendentes nos anadares inferiores. Aponta e requer a transformação das estruturas, instituições e relações sociais, e a construção de condições de estar, ser, pensar, conhecer, aprender , sentir e viver distintas”.

A partir dos anos 80, surgiu na América Latina a Educação Intercultural Bilíngue (EIB), depois nomeada de Educação Intercultural Bilíngue (EIB), só que esse termo intercultural um sentido duplo (Walsh, 2010):

(...)  um sentido político-reivindicativo, por estar concebido a partir da luta indígena e com a finalidade  de enfrentar a exclusão e impulsionar uma educação linguisticamente própria e culturalmente apropriada. Ao mesmo tempo, todavia, o intercultural foi assumindo um sentido socioestatal de burocratização.

Portanto, esse direito étnico e coletivo, no Brasil, não foi ainda regularizado através da edição de lei, entretanto, na escola que se localiza  na construção circular na aldeia Água Bonita, é ensinado para as crianças indígenas, a língua terena.

Dessa forma, existe essa interculturalidade nas comunidades visitadas, que pode ser configurada na primeira perspectiva, a interculturalidade relacional, apesar da boa vontade dos próprios indígenas e dos remanescentes dos quilombos em disseminar a sua língua e cultura para as futuras gerações, não há interesse do Poder Público em concretizar a interculturalidade numa perspectiva crítica.

 Tendo em vista que esse “ato pedagógico-político que procura intervir na refundação da sociedade” (Freire, 2004), só irá empoderar esses povos étnicos, cita Catherine Walsh (2010), as palavras do revolucionário Zapata que dizia ser necessário descravizar as mentes, faz referência também a  Malcom X, que afirmava que deveríamos  desaprender o desaprendido para voltar a aprender.

Visualizo bem essa questão do eurocentrismo, e da colonialiadde do poder, quando escuto por aí que o Jornalista Diogo Mainardi, apresentador do programa de televisão Manhattan Connection, exibido pelo canal da TV paga GNT,  resolveu morar em Veneza, porque não queria mais saber dessa “bugrada”, e também é ressaltado o  sobrenome do jornalista, “com esse sobrenome, ele pode morar em qualquer lugar da Europa”, ou ainda, quando se faz críticas as cotas, “porque as pessoas tem que conseguir vagas na universidade ou passar em concurso, pelo mérito”.

É assim que se sentem os dominadores, aqueles que tem dinheiro de sobra nesse país, a Europa é o melhor lugar do mundo para se viver, o Brasil não passa de uma república de bugres.

Finalizo com Quijano (2005, p. 126), que brilhantemente ensina: “(...) é tempo de aprendermos a nos libertar do espelho eurocêntrico onde nossa imagem é sempre, necessariamente distorcida. É tempo, enfim, de deixar de ser o que não somos”.

Acredito que esse Encontro do Tribunal Popular da Terra seja um dos primeiros passos para romper com essa dominação eurocêntrica, para descolonizar nossas mentes, a união dos povos da terra, que foram excluídos da construção do Estado-Nação pelo sistema capitalista, implica numa redistribuição radical do poder (Quijano, 2005, p.126), e talvez esse seja um dos únicos caminhos para se alcançar a sociedade igualitária tão sonhada por todos.



Bibliografia:

LANDER, Edgardo (Org). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas. Colección Sur Sur, CLACSO, Ciudad Autónoma de Buenos Aires, Argentina. setembro 2005. Disponível em: < http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ >, acessado no dia 13 de junho de 2014.

QUIJANO, Aníbal. Colonialidade do Poder, eurocentrismo e América Latina. In: LANDER, Edgardo (Org).  A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas. Colección Sur Sur, CLACSO, Ciudad Autónoma de Buenos Aires, Argentina. Setembro 2005. p. 107-126.

WALSH, Catherine. Interculturalidade crítica e educação intercultural. In: VIAÑA, Jorge; TAPIA, Luis; WALSH, Catherine. Construyendo Interculturalidad Crítica. La Paz – Bolivia. Instituto Internacional de Integración del Convenio Andrés Bello. III CAB, 2010.

FREIRE, Paulo. Pedagogy of Indignation. Boulder, Colorado: Paradigm.

INCRA.  “Incra reconhece Furnas de Boa Sorte (MS) como área quilombola”.Disponível em: <http://portal.mda.gov.br/portal/noticias/item?item_id=3574801 >, acessado no dia 16 de junho de 2014.


ITAPEBI ACONTECE. “Homem é morto com um tiro no pescoço na área invadida por índios”.  Disponível em: < http://itapebiacontece.com/noticias/3135,itapebi-homem-e-morto-com-um-tiro-no-pescoco-na-area-invadida-por-indios.html >, acessado no dia 16 de junho de 2014.